Manaus (AM)- “O Brasil não é um país pobre, é um país injusto. Algumas categorias do funcionalismo público recebem, além do salário, muitas mordomias. E é a população que banca tudo”. A afirmação é do sociólogo Carlos Santiago ao concluir que o país é um dos mais desiguais do mundo.
E fica mais evidente quando são comparados os salários de um vereador e um trabalhador em Manaus. A diferença é exorbitante, uma vez que cada parlamentar, além do salário, também recebe o “Cotão”, que custa mais de R$ 1 milhão por mês aos cofres públicos.
Atualmente, com a aprovação do aumento de salário em dezembro de 2020, os 41 vereadores da Câmara Municipal de Manaus (CMM) recebem R$ 18.991,68 mil cada. Antes, o subsídio era de R$ 15.031,76.
Por conta da Lei Complementar de n° 173, de 27 de maio de 2020, na qual proibia o aumento de salário de membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos e militares até o dia 31 de dezembro de 2021, os vereadores só passaram a receber o valor atualizado em janeiro de 2022.
Além disso, junto com o reajuste salarial, também houve o aumento da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), mais conhecido como “Cotão”.
O valor aumentou em 83% e saltou de R$ 18 mil para R$ 33.086,05. O benefício é semelhante pago aos deputados estaduais, R$ 44.114,74.
Na época, somente três vereadores se opuseram ao aumento do Cotão. Um deles, o então vereador Amom Mandel (Cidadania), abriu mão do reajuste no início de seu mandato.
A Ceap é usada para custear as despesas de mandato dos parlamentares, como combustível, conta de celular e aluguel de veículos, por exemplo.
Há ainda a “Verba de Gabinete”, que destina para cada vereador o valor de R$ 70 mil. O montante é usado para o pagamento dos assessores parlamentares e todas as despesas relacionadas ao funcionamento do gabinete. Ou seja, um vereador tem a sua disposição mais de R$ 100 mil para custear demandas do mandato.
De acordo o analista político Carlos Santiago, os salários e regalias recebidas pelos políticos no Brasil é o retrato da desigualdade que há no país.
E acrescenta que a maioria da população é de pessoas humildes que pagam tributos altos e vivem na pobreza, enquanto uma minoria vive com salários altíssimos e padrão de vida de primeiro mundo.
Santiago também destacou que é quase impossível um trabalhador viver só com um salário mínimo. “O assalariado é o que mais sofre porque, enquanto os políticos decidem sobre o valor de seus próprios salários e não abrem mão de nada, o povo que os elege continua na exclusão”, enfatizou.
Desigualdade em evidência
O analista político, Helso Ribeiro, destacou também a desigualdade existente no Brasil e que as regalias de parlamentares só fazem essa desigualdade ser “gritante” no país. Helso afirma ainda que há políticos que acham seus salários pouco.
“Há políticos que também são empresários que acham que o salário que recebem como políticos é pouco. Sem contar que eles têm outras ajudas. Então a diferença é gritante comparada ao de um trabalhador”, disse.
Ribeiro cita em sua análise uma obra do século 18, intitulada “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens”, do escritor Jean Jacques Rousseau, que diz que “as leis são sempre úteis aos que têm posses e nocivas aos que nada têm”.
“Ou seja para os potentados e ricos, as leis são ótimas, mas são nocivas para quem nada tem. Os parlamentares legislam e criam as leis, então colocam salários de primeiro mundo”, pontuou.
Helso diz que o problema maior é o fato do “Brasil ser campeão em desigualdade social, e dentro de uma mesma corporação é possível ver essa discrepância, um ganhando 30 e outro ganhando 1”.
Ele destaca que as diferenças ficam em evidência, quando se compara também as cargas horárias entre um político e um trabalhador. No Amazonas, por exemplo, um professor precisa trabalhar em dois horários para ganhar em média R$ 4.800 mensais, com uma carga horária de 40 horas semanais.
Amom abriu mão do Cotão
Um dos parlamentares que mais ganhou destaque na política amazonense foi o ex-vereador e agora deputado federal Amom Mandel (Cidadania). Um dos motivos foi o fato dele ter optado por não usar o cotão durante seu mandato na CMM.
O parlamentar recebe o subsídio de R$ 39.293,32 como deputado federal e, segundo consta no portal da transparência da Câmara dos Deputados, Amom também não usou o cotão até o momento, que é de R$ 49.363,92.
Vale ressaltar que um deputado também tem disponível o valor de R$ 118.376,13 mensal para custear os salários de seus assessores em Brasília ou no estado de representação. Cada deputado pode contratar até 25 pessoas com salários que variam entre R$ 1.408,11 e R$ 16.640,22, conforme o portal.
O político usou da verba de gabinete no mês passado, o valor de R$ 99.881,26. O valor de março ainda não consta no portal.
Amom disse ao Vanguarda do Norte que é muito criticado e que recebe indiretas de alguns colegas políticos por abrir mão do privilégio.
“Minha postura tem sido a de combater essas investidas de maneira imediata e direta. Assim como é um direito de outros políticos utilizarem as cotas parlamentares, é um direito meu economizar o dinheiro público e cobrar que outros economizem também”, disse.
Amom defendeu que a verba não usada por parlamentares, poderia ser destinada para outros setores da sociedade.
“Sou partidário da ideia de mudar a legislação para permitir que recursos economizados pelos parlamentares no mandato possam ser utilizados, de alguma forma, como emendas ao orçamento. Poderíamos reverter isso em investimentos em saúde, segurança ou educação”, explicou.
“A diferença do salário de um deputado para um trabalhador comum é uma imoralidade. Tenho essa postura por achar que é o mais justo. Como posso pedir apoio às pessoas se não demonstrar que acredito no meu projeto de corpo e alma?”, completou.
Além do cotão, gabinete de verba, o deputado federal ainda tem direito a receber um auxílio-moradia no valor de R$ 4.253,00 quando não ocupam um dos 432 apartamentos funcionais que a Câmara tem em Brasília. O parlamentar optou por ocupar o apartamento funcional e não recebe o auxílio.
Para viagens, o deputado tem direito a receber diárias quando viaja em missão oficial. Para nacionais, o valor é de R$ 524. Nas internacionais, o valor é de US$ 391 para países da América do Sul, e US$ 428 para outros países, segundo o portal da transparência.
Também não há registro de despesas desse beneficio em nome de Amom no portal.
Desigualdade salarial de um professor
Enquanto os políticos recebem bons salários e vivem de muitas regalias, alguns trabalhadores sobrevivem com uma média salarial de R$ 1.302, além de um vale-alimentação, vale-transporte e, às vezes, dependendo da área que trabalhe, recebe plano de saúde ou odontológico. Outros, precisam lutar para serem valorizados, como é o caso dos professores.
A professora e pedagoga, Lude Rafaela Bezerra Pinto, 32, contou à nossa reportagem que precisa atuar em dois horários para poder aumentar a renda.
“Para receber R$ 4.800, o professor precisa enfrentar dois turnos de trabalho, ou até 3 turnos para receber mais. Eu, por exemplo, entro às 7h e saio às 11h pela manhã; à tarde, das 13h às 17h”, contou.
A professora ainda relata que esse valor já inclui o custo do transporte, caso o funcionário tenha transporte próprio.
Segundo Rafaela, não há como comparar, por exemplo, a jornada de trabalho de um político com a de professor.
Destaca-se que início do mês, o Senado Federal aprovou um projeto que na prática, institui uma semana de trabalho de 3 dias apenas.
“Ser professor no Brasil é um trabalho árduo, pois requer tempo além da sala de aula. Não existe comparação justa entre os casos, visto que o parlamentar usa a sua prerrogativa para legislar ao favor de sua classe e supervalorizá-la”, enfatizou a professora.
Já o professor da educação básica, Manoel Rodrigues Marreiros Neto, disse que o erro que a sociedade comete é apenas comparar o preço, “sem levar em conta o valor que cada profissão agrega à sociedade”.
“Enquanto os deputados federais são responsáveis por representar os interesses da sociedade e legislar em seu nome, os professores são responsáveis por formar as futuras gerações e prepará-las para o mundo”, destaca.
Manoel defende que ambos os papeis são importantes porque, ao fazer uma comparação entre os salários, sem levar em consideração o valor que cada um agrega para a sociedade, pode “superestimar o valor da política e dos políticos”.
“Ao focar só no valor, a sociedade pode ignorar questões importantes como a qualidade da educação, a eficiência da gestão pública e a responsabilidade dos políticos, entre outros”, analisou.