O Jubileu de Ouro do “Estatuto do Homem” da autoria de Thiago de Mello dá-se neste ano de 2014. Foi levado a público em 1964. Fui a uma de suas primeiras celebrações na Editora Valer em Janeiro que compilou todo o acervo documental e fotográfico do escritor.
Thiago, ícone da poesia daqui, do Brasil e internacionalmente falando. As razões do merecimento é porque foi capaz de relatar naquele poema a cartografia do poder. Suas misérias e também para exprimir a luta, a revolta do homem através dos 10 vocábulos dominantes nos “Estatutos… eles passam a ser condutos – mestres a fim de atingir metas sonhadas da democracia em tempos de autoritarismo. As dez palavras – domínio a emanar de cada verso do poeta são: VERDADE, VIDA, DIREITOS, ESPERANÇA, CONFIANÇA, JUSTIÇA, ALEGRIA, TERNURA E LIBERDADE. Falei que em 1964 iniciaram-se os tempos – cinza.
Não só do período ditatorial mas literalmente falando essa era a cor determinada por aquele regime político em que todos os prédios públicos fossem reconhecidos pela cor chumbo: Palácio do Governo, Prefeitura, Quartel da Policia Militar, Teatro Amazonas, Biblioteca Pública, Palácio da Justiça, Colégio Estadual e Grupos Escolares… Todos Uniformizados. Tínhamos que enxergar a cor sem alma. A cor da subordinação. Em Manaus vivia-se nos idos de Março de 1964, tempos heróicos. Uns eram acuados e amordaçados por censores principalmente na mídia impressa.
As palavras haviam de conter apenas amenidades, Prisões arbitrárias. Tempos de censuras punitivas. De denuncismo infundado. Grandes jornalistas esgrimavam as palavras com tal maestria e apresentavam como na fábula famosa, que o “rei estava nú” sem que os censores o percebessem. Dizimavam inquisitorialmente bibliotecas particulares. Em uma delas o motivo foi porque ali encontraram uma Bíblia de Capa vermelha.
O governador eleito Plínio Coelho preso durante apresentação do famoso Festival Folclórico de Manaus. E nosso bispo desde 1958 Dom João de Souza Lima, fez visita a um deputado preso Dr. Arlindo Porto, hoje ex-presidente da Academia de Letras do Amazonas, levando às escondida carta da esposa deste já que estava incomunicável no cárcere há três meses. (Essa disponibilidade de Dom João e aqui abro um parêntese torna-se afetiva para mim já que em 1971 celebrou nosso casamento na Catedral de Manaus com a mesma boa vontade que caracterizava seu exercício arquiepiscopal durante longos anos).
Thiago de Mello exilado político e amigo de Neruda (amalgamados no poetismo e na amizade) demonstra nesses 50 anos as razões do mérito dessas solenidades, em Manaus, na Assembléia, em outros estados e países. Agora Thiago, com seus 90 anos resolveu que vai passar pelo escrutínio na Academia Brasileira de Letras para ocupar uma de suas cadeiras vagas. O que torna fascinante! Essa ânsia de perenizar e tentar com a cadencia de uma prosa poética, sem rima e sem versos a construção definitiva, através de sua pessoa, da auto-estima amazonense tão solapada pela situação geográfica, pelo isolamento e pelo estigma de terra de fim-de-mundo.
Mas o melhor dom de Thiago é possuir… Classe. Porque em meio a enxurrada de futilidades em lugar do substancial: É um cidadão resistente. Entrincheirado em seu próprio baluarte poético aspira o excelso. E nunca perder a dignidade! É reconhecido pelo toque de distinção a fluir de si. E é isso que o purifica das energias bestiais da turba e lhe permite viver sem nunca ser diminuído em sua condição de homem ético. É sua aura estética e moral. Isso é ter classe. Como o poeta espanhol digo: “Sigue el índice divino / Tu que puedes, tu que vales / ascende por tu camiño / Que subir es el destino / de las águilas caudales!…” P.S Ao completar 90 anos disse que tinha um livro a terminar, um acadêmico; faz logo Thiago, José Maria Pinto disse. A Valer fez, ele respondeu ainda tem tempo, morreu meses depois.
CARMEN NOVOA SILVA, é Teóloga e membro da Academia Amazonense
de Letras e da Academia Marial do Santuário de Aparecida-SP