Estimulada por leitores que me descreveram “histórias de mães”, este título de meu último artigo, narro agora, casos em que o coração de mãe, está sempre à frente da própria razão. A razão (o cérebro), já assegurava Schopenhauer, “é uma maneira de expressão da vontade do mundo. Mais aberto ou utilitarismo, ao tecnicismo e às ciências”. Já o coração digo eu, é a vontade como expressão do transcendente. Transpira pelos poros da alma sentimentos generosos, impetuosos e dignificantes.
Trilogia de adjetivos imprescindíveis para definir o intimo do ser humano. O perigo são os egos inflados. Estes são como uma enfermidade lenta. Como o câncer. Sem perceber já se encontra em metástese. Em estado terminal. É o ego cheio de si, o assassino da razão. Em sua cegueira, não percebe a diferença entre os vocábulos, utilidade e útil.
O primeiro o utilitarismo, significa o usar de outros por certo tempo sendo descartável a qualquer momento. Já o útil, são as coisas que servem e que perduram e entram na história. Como o coração das mães que passo a relatar. Um jornalista, José Luiz Descalzo, premiado várias vezes com prêmio Planeta (Espanha), contou que nascido em aldeia pobre, chamada Astorga, recordava uma cena de sua mãe, aldeã a criar sozinha (viúva), seus cinco filhos nos anos cinqüenta.
“Quando nevava e a camada de neve ultrapassava os quinze centímetros sobre o solo, minha mãe nos levava á missa aos domingos pela manhã. Levava-nos enfileirados, de mãos dadas e ela a frente. Eramos uma corrente inquebrantável de mãos enluvadas um atrás do outro. E ouvíamos sua voz de comando, envolvida em afeto cuidadoso: Pisem aonde eu pisar! Onde as marcas de meus sapatos ficarem! Com isso indicava, que se pisasse em alguma vala, seria o escudo.
Reteria os perigos. Eliminaria os obstáculos. Sentíamo-nos seguros. No entanto, somente adultos percebemos, quão grandioso e heróico era seu coração de mãe”. A outra história de mães, que vou me referir li na “Folha de S. Paulo” num artigo de autoria de José Sarney. O caso é sobre a Santa Padroeira de um pequeno município á margem do rio Parnaíba, Nossa Senhora das Dores.
Era chegada a Semana Santa. O comércio local com antecedência de um ano sempre encomendava o bacalhau, para a época. O navio atravessava o oceano – vinha de Portugal – e em Parnaíba apanhava “gaiolas” a distribuir a mercadoria. No entanto, naquele ano, ocorreu um terrível atraso nos navios e o bacalhau chegou logo depois da Semana Santa. Ninguém mais tinha motivo para comprá-lo.
O comércio de alimentos ameaçado de falência e conseqüentemente a derrocada da economia local. O prefeito como que oriundo de uma peça do dramaturgo satírico Dias Gomes, procurou em comitiva de empresários, o vigário, para evitar a quebra e tragédia econômica.
Levaram, por escrito, um pedido à Virgem das Dores que como madrinha, tinha a obrigação de zelar pelos seus protegidos, (afinal madrinha, deriva-se do latim, a significar mãezinha). Que se fizesse uma nova Semana Santa! E assim foi feito. Os comerciantes salvaram-se. O povo rezou por mais sete dias. E a padroeira N. S. das Dores percorreu novamente o trajeto da procissão, com os setes punhais cravados no coração em prol daquela gente confiante em seu intimo de mãe.
Assim mesmo, é o coração de milhões de mães espalhados pelo mundo. Muitas vezes nem percebem que são usadas (mero utilitarismo, pós-modernista), para o alcance de ambições ás vezes inconfessáveis). Coração de mãe é assim mesmo. Pedido de filho, mesmo adulto, fica no mesmo patamar do horário infalível, da mamadeira. Caso contrário, o choro. Pedido de filho – seja qual idade – é dever de honra. Afinal coração de mãe, não é sólido.
É liquefeito. Como o milagre de sangue de Cristo de São Genaro em Lanciano. É efervescente. Com as alegrias ou raivas do rebento. Coração de mãe, não se move de modo científico, em sístole e diástole. Nem em ritmo matemático. Coração de mãe apenas vibra, e pulsa e canta e em tudo crê. Mesmo contra todas as desmemorias e todas as incompreensões. A Virgem das Dores do Parnaíba que o diga.