Quem tem ouvidos, ouça! Não fosse a ambição, a vaidade, a sofreguidão pelos fartos cifrões, nossas madeiras nobres não estariam no patamar infame de extermínio. A título de exemplificação, o Pau-rosa, esse mesmo que dá a nota marcante no perfume francês, o tradicional e famoso Chanel nº 5, encontra-se há muito em perigo de extinção devido sua extração excessiva.
Agora para minha surpresa, constato através de um artigo científico que a Saboarana – a majestosa Saboarana – encontra-se também no “ranking” vergonhoso das madeiras de lei raras. Em ameaça de extinção. Dizem que todo o escritor tem sempre uma árvore regendo alguma das fases de sua vida. Saramago, o escritor e Nobel português, viveu sua infância cercado pelas oliveiras de sua aldeia natal, Azinhaga. Jefferson Péres certa vez em artigos num jornal local, falava enlevado das dezenas de acácias douradas que proliferavam em Adrianópolis de sua juventude. Penso então na Saboarana que vi quando pequena. Só que já transformada em móveis de luxo: Uma belíssima sala de jantar composta das cristaleiras, dos aparadores e da mesa enorme. Todos em madeira maciça. A cor? Duas.
Numa combinação de claro-escuro, harmoniosa e inexplicável que transformava a madeira numa preciosidade. Essa era a sala de jantar de minha tia e madrinha Teresa. Lá pelos anos oitenta, um marceneiro de gabarito ofereceu-nos dois móveis de Saboarana. Não hesitamos e ficamos com o mobiliário. Fico hoje refletindo: Quantas e quantas árvores não foram abatidas na floresta amazônica para incensar nosso ego por coisas belas? Não, não sabíamos dessa ação exterminadora das espécies mais formosas. Sabe-se apenas que a Saboarana existe ainda no arquipélago de Anavilhanas entre os municípios de Manaus e Novo Airão. Esse levantamento da espécie vegetal foi executado pelo INPA e incorporado ao acervo de seu herbário, com o nome científico de swartzia sericea. Por ser tão atrativa é consumida avidamente pela economia globalizada.
Em pleno século vinte e um, quando o zelo ambientalista mundial agiganta-se, hipocritamente, alguns países europeus dizendo-se ecológicos compactuam com a destruição de árvores e revestem suas instituições e construções com as madeiras oriundas de nossa região. Falei que todo escritor tem sempre uma árvore acompanhando sua trajetória de vida. A Saboarana feito mobília trilhou caminhos comigo. Eu insciente dessa calamidade ecológica a rondá-la. Temo que aconteça com ela o que ocorreu com as oliveiras de Saramago e as acácias douradas de Jefferson Péres. No lugar das oliveiras havia uma extensa, monótona e interminável plantação de milho. “Tudo da mesma altura, talvez com o mesmo número de folhas e o mesmo número de grãos…” As acácias douradas foram substituídas pela selvageria das construções prediais e do capitalismo predatório.
Talvez com a “boa intenção” do “depois faremos o replantio em dobro”. Penso então nos benjamins que me viram nascer. São apenas ornamentais, eu sei. Eles retêm no verde o corpo exausto da memória. Temo que tenham o mesmo fim da Saboarana, das oliveiras, e das acácias. Dizem que a paisagem é um estado da alma. Mas essa paisagem sempre dependerá da atitude comportamental da época. Ególatra.
O império do ego. Do eu, do Me, do Comigo, da Selfie… Leio que anos atrás em São Sebastião do Uatumã, estavam produzindo objetos como canetas belas, com as sobras de madeiras de lei Saboarana, feitas por menores aprendizes sendo que até além de adquirirem a oportunidade de formação profissionalizante gerando emprego e renda. Todavia parece que o projeto não foi adiante. Foi interessante saber que a árvore tão utilizada em moveis de luxo, vive a maior parte do tempo submersa pelas águas dos rios (entre seis a oito meses). Depois, ao reaparecer, lança suas sementes pelas águas e pelo ar concorrendo para a preservação da vida da floresta. E meus benjamins! Foram mutilados! Evidenciam o estado patológico do espírito do tempo presente. Concordo com Saramago. Não me queixo a chorar perdas… Só tento explicar que esta paisagem não é minha. Parcas, não ousem tocar outra vez em meus benjamins! Só eles atestam o lugar onde nasci…