Na Espanha é costume festejar tanto ou mais que o aniversário, o onomástico das pessoas, ou seja, o dia do santo do nome de cada um. Quando lá estive pela primeira vez, em 1967, no dia de “Nuestra Señora del Carmen” dia 16 de Julho (N. Senhora do Carmo em português) fui alvo dos presentes de parentes e amigos, que tem por hábito oferecer flores, doces, frutas, bombons e… livros. Principalmente livros. Este, um uso salutar do povo europeu, mostrando o quanto deficiente ainda é nossa política educacional e cultural. Na maioria das vezes somos em vez de leitores, “ledores”, no máximo, de resenhas literárias ou orelhas de livros.
Talvez por isso, seja comum no Brasil alguns, com um pouco mais de intelectualidade, investirem-se como críticos literários mesmo sem cátedra, para isso, influenciando e nutrindo erroneamente o raquitismo cultural da nação. Dentre os livros que recebi constavam as obras completas de Gustavo Adolfo Bécquer. Escritor, ensaísta, poeta e jornalista espanhol, morto em 1854. À época era um desconhecido dos leitores, hoje um clássico da literatura espanhola. Refiro-me especialmente a Béquer, pois foi com o que mais me identifiquei, não só pelas poesias, mas por haver introduzido nas suas poéticas “Leyendas” um modelo de gênero literário apenas cultivado na Espanha: A prosa poética. O poema em prosa tem uma larga tradição nas letras hispânicas desde o século XVIII até a literatura moderna. Baudelaire se questionava se os “poetas atuais não haviam sonhado – alguma vez – como o milagre dessa prosa poética musical sem ritmo e sem rima, bastante ágil e bastante repentina para adaptar-se aos movimentos líricos da alma, as ondulações do sonho e fantasia e os sobressaltos da consciência”.
Costumo dizer que existem autores a que pertenço pelo mesmo grupo sanguíneo e aqui vou nominar um poeta da prosa de renome nacional como o gaúcho Mário Quintana que fez experiências com a prosa poética desde o início de sua carreira de escritor, usando as características da prosa e as da poesia como o recurso ao lirismo concedendo “status literário” à poesia em prosa no Brasil antecedido pelo simbolista Cruz e Souza em esporádicas experiências. Em “2005” diz: “Com a decadência da leitura, daqui a 30 anos os nossos romancistas serão reeditados exclusivamente em histórias de quadrinhos… A grande consolação é que jamais poderão fazer uma coisa dessas com os poetas. A poesia é irredutível. Em “O menino e o milagre” fala: “O primeiro verso que um poeta faz é sempre o mais belo, porque toda a poesia do mundo está em ser aquele, o seu primeiro verso…”(Trechos extraídos de seus artigos no jornal e compilados no livro Caderno H – como poemas em prosa).
Os quatro livros de minha autoria, também são um poemário em prosa. São eles: Trilhos de Prata, Canção a Manaus, Decálogo de Manaus e Credo à Imaculada do Amazonas. Outros poetas amazonenses que usam desse recurso literário, conheço apenas três: Max Carphentier, e Thiago de Melo (Manaus, Amor e Memória) São os que usam esse “musical sem ritmo e sem rima”, e concedem status literário à poesia em prosa, como um milagre envolto em lirismo.