As fontes para conhecer uma infância ou melhor a infância dos anos cinquenta a sessenta da Manaus-cheia-de-graça, nestes dias iniciais de Janeiro é relembrar seu sexto dia. O dia seis de Janeiro. O dia de Reis. Dos três reis magos do presépio do Menino. Na maior parte da Europa principalmente na Espanha, terra de meus pais, esse dia é o mais ansiado pela criançada.
É o dia de receberem os presentes dos Reis (lembrando que foram eles a presentear Jesus com ouro, incenso e mirra). Por isso a carta com a relação de presentes é expedida e endereçada a Gaspar, a Baltazar ou a Melchior em lugar do nosso tradicionalíssimo Noel. Mas retorno ao parágrafo da Manaus dura e terna. A vida cotidiana de então resumia-se no rescaldo natalino e de ano novo que nos traria até esse dia seis as últimas encenações das pastorinhas do Luso.
O Luso Sporting Club. A robusta colônia lusitana apresentava à sociedade manauense esse auto natalino como forma de legado jesuítico e depois de transmissão da arte popular mesmo com limitados recursos de uma economia citadina sóbria, mesmo assim, em épocas duras a ternura da Boa-vontade exercida apresentava o belo espetáculo de exaltação religiosa.
E surgiam personagens da estrela-guia, da cigana, do pastor e da pastora, dos anjos, de Maria, de José e do Menino…E surgiam músicas, danças e louvores com o propósito, o santo propósito de reavivar nos íntimos a memória da natividade de Jesus…E surgia, como ponto culminante de medo e horror, a figura do capeta “o diabo do Luso” (como ficou cognominado) saindo de um alçapão. Como se fora das profundezas infernais. E com ele vinham fumaça, cheiro de enxofre, um barulho estrondoso. Aos gritos deixava os maiores perceberem o sotaque lusitano. Isso levou muitos a comentários risíveis, dizendo que “o diabo era português”…Nesse período, no território infantil, aparece o bolo de Reis.
O sabor especialíssimo oferecido pelas frutas cristalizadas faz a memória do paladar buscar daqueles Janeiros imensos. A lendária Confeitaria Avenida o fabricava para o consumo da sociedade manauense. O máximo do consumismo permitido numa época em que o coletivo (com cadeiras à porta e sua fraternidade) sobrepujava o individual. Era o começar de um novo ano na Manaus frugal de economia estagnada. Janeiros de luxo para uns poucos que viajavam (não existia crediário) à “Cidade Maravilhosa”. Rio de Janeiro o “must”. Com direito a retornar com sotaque carioca. Isso dava àqueles poucos o verniz do Ter.
Janeiros simples, para quase todos movidos a pic-nics nos balneários públicos, como Parque 10 de Novembro, e nos banhos do “Tucunaré”, “Muruama”, Guanabara, Acarape, Las Palmas, Pedreiras e tantos outros engolidos não pelo tempo, mas pelo descaso com as águas límpidas, que os administradores públicos pensavam ser eternas. Janeiros alegres com cinemas (Odeon, Avenida, Politheama, Guarany, Ypiranga, Éden, Vitória, Ideal, Palace e Popular), passeios na praça da Polícia e a do Congresso com direito a sorvete de milho verde no Pingüim, no Siroco ou no Fazano.
Dizia Dostoyevski que aquele a “acumular muitas recordações da infância está salvo para sempre”. Sim, e aos que comungam com minhas palavras está escrito: Jamais habitarão a Faixa de Gaza. Essa à época de Jesus era território de Herodes que estava no momento matando as crianças de menos de um ano (A morte dos inocentes 28 de Dezembro) por isso José o Grande herói atravessou perigoso deserto a noite rumo ao Egito. a trazer em seu bojo o individualismo, o hedonismo, a inversão de valores, a desvalorização do ser humano e da própria família. Aos adoradores do EU a pena de nunca ter sentido no íntimo o valor imensurável dos nossos doces e simples Janeiros…