As previsões se concretizaram: Claudia Sheinbaum será a primeira mulher presidente do México. Os resultados preliminares eleitorais apontam uma vantagem que as sondagens já previam.
A cabeça da coligação governista Vamos Continuar a Fazer História obteve entre 58,3% e 60,7% dos votos, o que representa mais de 30 pontos percentuais acima do candidato da oposição Xóchitl Gálvez, segundo a Contagem Rápida, que estima a evolução das eleições.
Ao tomar conhecimento dos primeiros resultados, Sheinbaum reconheceu a importância de se tornar a primeira mulher a ocupar o cargo mais importante do país e afirmou que garantirá o futuro dos mexicanos sem distinções de preferências políticas.
A ex-chefe de governo da Cidade do México – que prometeu preservar o legado do presidente Andrés Manuel López Obrador – recebe um país com altos índices de violência, insegurança, casos de pessoas desaparecidas não resolvidos, falta de acesso à saúde e uma sociedade polarizada.
Quais serão seus principais desafios e o cenário para o México nos próximos seis anos?
1ª mulher presidente
A pesquisadora de pós-doutorado do Centro de Pesquisa e Estudos de Gênero da UNAM, Georgina Cárdenas, disse à CNN que a chegada da primeira mulher à presidência do México é importante porque “é uma referência para as mulheres porque envia uma mensagem que pode criar espaços. Que os tetos de vidro podem ser quebrados e a tradicional expectativa de que as mulheres se dediquem à casa pode acabar.”
De acordo com a ONU Mulheres, em 13 de maio de 2024, apenas 28 mulheres em todo o mundo serviam como chefes de estado e/ou de governo.
Para o analista político Eduardo Higuera “é muito emocionante que Sheinbaum seja a primeira presidente deste país”, mas destaca que é “desanimador” que ela chegue nas atuais circunstâncias e com um discurso de continuidade com as políticas de López Obrador.
Na opinião de Cárdenas, “há muita expectativa focada principalmente em grupos feministas que esperam que a ex-chefe de governo tenha uma agenda de gênero e aborde as principais questões pendentes para as mulheres no país”.
Uma dessas questões é o feminicídio e a violência contra as mulheres. Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Geografia (Inegi), nos primeiros três anos da presidência de Andrés Manuel López Obrador foram registados pelo menos 11.852 casos, um aumento em relação aos 7.439 registados no mesmo período da sua presidência antecessora.
Cárdenas comenta que ao falar sobre violência contra a mulher será importante rever e prestar especial atenção à designação do orçamento necessário e que as políticas públicas voltadas para esta questão realmente beneficiam as mulheres porque acredita que durante a campanha de Sheinbaum não ficou claro como seria tratado.
A pesquisadora dá como exemplo que “apesar da criação do Protocolo Nacional de Atenção Integral às Meninas, Meninos e Adolescentes Órfãos de Feminicídio, ainda existem desafios na sua implementação e falta de registro oficial das vítimas”.
“A questão da paridade também precisará ser levada a cabo. Ou seja, a paridade transversal já está na Constituição – o que implica que os partidos políticos não devem registar um único género nas suas candidaturas de forma tendenciosa – e será importante que todos os órgãos do governo federal respeitem isso”, afirmou o especialista.
Ele acrescenta que também é necessário abordar a agenda da diversidade, na qual está incluída a comunidade LGBTQ+. “Porque muita gente fala da agenda feminista, mas o mundo não é binário e deve ter espaço na agenda”, disse ela.
Cárdenas destaca que as eleições representam sempre esperança de mudança e que Sheinbaum terá o desafio de formar uma equipa mais ampla e diversificada que trate destas questões como parte da agenda de género.
“Se Sheinbaum não aproveitar a situação, será uma daquelas grandes oportunidades perdidas na história do México. Ela corre o risco de entrar para a história como a primeira presidente que não teve sucesso. Espero que ela saiba entender o peso histórico que tem, a oportunidade que tem como primeira mulher na presidência e saiba aproveitar isso”, destacou Higuera.
O tema da segurança
Higuera, que também é professora da Universidade Anáhuac, prevê que a sucessora de López Obrador enfrentará muitos problemas e complicações em termos de segurança, porque a sua principal abordagem é continuar com as medidas implementadas pelo atual governo.
Durante a sua campanha, Sheinbaum prometeu continuar a chamada “Quarta Transformação”, incluindo a consolidação da Guarda Nacional para combater a violência e a expansão dos grupos do crime organizado.
“Independentemente do que diga o discurso oficial, há demasiadas provas de que a atual política de segurança pública, mesmo a política de segurança nacional, não funcionou”, disse ele.
Até o momento, durante o governo de López Obrador, foram registrados 176 mil homicídios dolosos, o que representa 28,20% a mais que os registrados durante todo o mandato de seu antecessor, Enrique Peña Nieto, quando foram 137.283, segundo dados da Secretaria Executiva da Secretaria. Sistema Nacional de Segurança Pública (Sesnsp) atualizado até abril.
Para o analista, a melhor estratégia de combate ao crime organizado seria fortalecer as polícias municipais e estaduais, porque são as entidades mais afetadas devido, em grande parte, à dotação orçamentária e à formação que tem se concentrado na Guarda Nacional, que depende no Ministério da Defesa.
Neste ponto concorda a diretora de contencioso estratégico da organização México Unido Contra o Crime (MUCD), Cristina Reyes, que disse à CNN que a política militarizada focada no Exército apenas resultou num aumento dos homicídios e precisará repensar a sua estratégia.
López Obrador tem defendido a sua estratégia de militarização garantindo que a Guarda Nacional garanta a segurança, a paz e a tranquilidade entre a população e que desta forma a violência e a insegurança sejam abordadas a partir de uma visão de justiça social.
“O problema de continuar com esta política é que esta outra violência não está sendo abordada e já vimos que não resultou numa diminuição da violência, do crime organizado e das violações dos direitos humanos. O problema desta estratégia de Claudia Sheinbaum é que ela consolida a Guarda Nacional como instituição militar”, destacou.
Explicou que o ideal seria focar nas instituições de segurança civil locais e estaduais que, na sua opinião, foram abandonadas na estratégia de militarização, com a eliminação de trustes e fundos destinados à instalação de polícias locais.
Uma análise do Escritório de Washington para Assuntos Latino-Americanos (WOLA) destaca a importância de reverter a militarização, uma vez que no atual mandato de seis anos as forças armadas não têm apenas tarefas policiais, mas também migratórias, portos e alfândegas, construção de megaprojetos turísticos e infraestrutura, aeroporto e administração de empresas.
No que diz respeito à criminalidade, Reyes destaca a necessidade de o próximo presidente reconhecer o papel desempenhado não só pelos grupos criminosos, mas também pela colisão de autoridades e dos seus recursos económicos, reforçando a investigação, uma vez que a grande maioria dos crimes cometidos contra a população não são denunciados devido a desconfiança nas autoridades, entre outros motivos.
Crise de desaparecidos
Cárdenas destaca que outra questão importante será abordar a agenda das mães buscadas, a quem López Obrador acusou no ano passado de usar a questão dos desaparecidos para fins “políticos” num país que acumulou 114.531 desaparecidos desde 1952 até ao fim de maio de 2024, segundo dados do Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas e Não Localizadas (RNPDNO).
A análise do Escritório de Washington para a América Latina (WOLA, na sigla em inglês) sublinha que um dos desafios do novo presidente será revigorar a busca e identificação de pessoas desaparecidas.
“Inúmeras famílias e grupos, liderados principalmente por mulheres, mobilizaram-se para procurar os seus entes queridos, muitas vezes arriscando as suas vidas ao fazê-lo. Após uma fase inicial de progresso institucional nesta área, o governo de López Obrador acabou retrocedendo na matéria ao abandonar o Centro Nacional de Identificação Humana (CNIH) e enfraquecer o trabalho da Comissão Nacional de Busca (CNB)”, indica.
A WOLA acrescenta que é necessário retomar os esforços de busca e identificação como uma prioridade em termos de direitos humanos e dialogar com os grupos do país que procuram os seus familiares para que sejam tidos em conta na tomada de decisões.
Polarização para trás
WOLA destaca a importância de deixar para trás a polarização que existe no México, uma questão que preocupa cada vez mais no país.
O analista Eduardo Higuera indica que infelizmente não se espera uma mudança de discurso com Sheinbaum porque durante sua campanha ele repetiu frases ditas anteriormente pelo presidente López Obrador.
“Não será fácil separar-se facilmente da cultura política obradorista. As frases, a abordagem do bem contra o mal ou dos conservadores contra os liberais, da transformação contra o PRI e os neoliberais, não vão ser fáceis porque as bases do Morena estão acostumadas a responder a esse discurso”, disse.
Explicou que se o seu discurso mudar radicalmente, sofrerá um desequilíbrio dentro da sua base política e que o fará gradualmente, mas terá de considerar que a sua bandeira de campanha foi sempre realizar “o segundo andar da quarta transformação.”
Uma pesquisa do Barômetro Edelman de 2022 citada pelo Índice de Paz do México de 2024 descobriu que 52% dos mexicanos pesquisados acreditavam que o país estava muito ou extremamente dividido e que 65% acreditavam que era improvável que as divisões pudessem ser superadas.
Outra pesquisa do Latinobarómetro de 2020 descobriu que 51% dos mexicanos entrevistados acreditavam que poderiam enfrentar consequências negativas se expressassem livremente as suas opiniões.
Claudia Sheinbaum assumirá as rédeas do país no período 2024-2030 após uma vitória retumbante. Morena e seus aliados terão maioria no Congresso, o que dará a Sheinbaum um impulso para realizar as reformas prioritárias de seu governo. A sua vitória dá-lhe um lugar seguro na história do país. Agora o seu desafio será governar para diferentes setores da população e promover reformas profundas para que seja lembrada como a primeira grande presidente do México.