A atual taxa de juros em dois dígitos trava a abertura de novas empresas na bolsa brasileira, dificultando a captação de recursos para aumento da produtividade e criação de postos de trabalho.
Esta é a opinião de analistas do mercado financeiro, que preveem novas ofertas públicas, também conhecida pela sigla IPO, na B3 apenas a partir do segundo semestre de 2025, caso haja convergência de fatores internacionais e domésticos.
A seca de IPOs na bolsa brasileira se estende por quase três anos. A última empresa a abrir capital na B3 foi a Vittia, em setembro de 2021, em um cenário de juros na faixa em 5,25%.
Jefferson Laatus, estrategista-chefe do Grupo Laatus, explica que o atual quadro de Selic a 10,5% inibe o interesse dos investidores, já que taxas nesse patamar aumentam a atratividade de investimentos na renda fixa, vistos como mais seguros que o mercado de ações.
O especialista cita que há uma fila de companhias prontas para o processo de IPO no Brasil à espera de melhora do ambiente econômico.
“Tem cerca de 30 empresas engatilhadas, mas não colocam na praça porque sabem que a demanda está baixa”, pontua.
A taxa básica de juros está em 10,5% ao ano desde maio, quando o colegiado cortou a taxa em 0,25 ponto percentual. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em julho, analistas viram tom mais duro da cúpula do BC, e parte do mercado passou a ver possível volta do ciclo de alta da Selic.
O sinal ficou mais forte nas últimas semanas, com falas seguidas de autoridades do BC afirmando que alta dos juros não está descartada pelo BC caso o cenário exija, apesar de não citarem prazos.
Analistas e instituições consultadas apontam para a direção de política mais restritiva nos próximos encontros do Copom, apesar de pequenas diferenças de até que patamar o BC está disposta a subir os juros neste novo ciclo de alta.
Paulo Luives, assessor na Valor Investimentos, pontua que o patamar da Selic faz com que o dinheiro seja “disputado” por outras formas de investimento, empurrando para frente os projetos de empresas em abrir o capital no mercado.
Neste sentido, Luives diz que o cenário é mais propenso a ofertas secundárias de ações que já estão na bolsa, também chamado de follow on.
“Empresas novas têm um risco maior, enquanto quando é uma oferta secundária, o mercado já conhece e empresa, por isso a demanda fica mais fácil de absorver”, afirma.
Beto Saadia, economista da Nomos, também cita que investidores precisam de mais indicações de que o mercado brasileiro busca novas máximas para incentivar estreias na bolsa.
“O IPO está muito ligado a bolsa estar em alta e bater novos recordes de forma consistente, e precisa de juros baixos para isso”, diz.
“O que fomenta apetite para IPO é empresas verem que pessoas estão comprando ação em bolsa. Se bolsa bater 140 mil pontos, 150 mil pontos, significa que tem demanda e novo dinheiro entrando”.
Efeitos na economia
Juros altos impactam a economia em diversos sentidos, com sinais mais perceptíveis no encarecimento de empréstimos e na redução do consumo.
No mercado financeiro, os efeitos são semelhantes. IPOs servem para empresas aumentarem o seu capital e atrair dinheiro para financiar o aumento de produção, expansão de mercado ou aumentar a força de trabalho, entre outros pontos.
Sem esse movimento, toda a cadeia econômica acaba sendo prejudicada.
“Quem tem caixa, deixa o dinheiro em renda fixa, e isso não gera emprego”, resume Laatus.
Quando os IPOs devem voltar?
O retorno das empresas à bolsa brasileira não está no horizonte de médio prazo dos analistas.
A previsão do mercado é de queda gradual dos juros a partir do segundo semestre do ano que vem, porém, ainda não é claro o ritmo deste movimento.
Para especialistas ouvidos pelo Banco Central (BC), a taxa básica deve encerrar 2025 em 10%, segundo o Boletim Focus, patamar ainda considerado proibitivo para processos de IPOs.
Laatus prevê que a nova janela deve se abrir apenas em 2026, quando juros passarem a cair com mais intensidade.
Além do cenário de juros em queda no Brasil, Luives aponta para o quadro internacional, sobretudo a possível manutenção de queda das taxas básicas nos Estados Unidos, como impulsionador de novos nomes na B3.
“Podemos ver um fluxo maior de dinheiro indo para mercados emergentes, e com taxa de juros voltando para um dígito, a janela pode se abrir”, explica.
Além da questão de juros, Rodrigo Cohen, analista de investimentos e co-fundador da Escola de Investimentos, afirma que o cenário econômico brasileiro também não está contribuindo para atrair novos nomes na bolsa.
“O Brasil precisa mostrar que a política econômica está sendo bem vista pelo mundo, precisa ter o real valorizado, o dólar em queda, voltar a crescer. Empregos, inflação controlada e assim por diante. Aí sim, podemos pensar em IPO”, explica.