A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, falou pela primeira vez sobre a situação de assédio e importunação sexual que sofreu do ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida, exonerado do cargo após o escândalo revelado com exclusividade pelo Metrópoles, na coluna de Guilherme Amado, no início de setembro.
Em entrevista a Veja, a ministra contou que enfrentou a situação por quase dois anos, desde o período de transição do governo, quando ouvia insinuações veladas. Porém, não parou por aí. Conforme Anielle, foram frases embaraçosas, comentários sexistas, convites impertinentes e, por fim, gestos e toques indesejados e não consentidos.
Importunação sexual
A entrevista foi concedida na última quarta-feira (2/10), após a ministra prestar depoimento à Polícia Federal.
Ao quebrar o silêncio de quase um mês, Anielle ressaltou que foi vítima de importunação sexual. “É importante deixar claro que o que aconteceu comigo foi um crime de importunação sexual. […] A gente está falando de um conjunto de atos inadequados e violentos, sem consentimento e reciprocidade, que, infelizmente, mulheres do mundo inteiro vivenciam diariamente”, destacou.
Segundo Anielle, ainda é muito difícil falar sobre o que aconteceu. “Ninguém se sente à vontade pra relatar uma violência”, pontuou. Porém, a ministra reforçou que o posicionamento adotado deve ser enfatizado para evitar que mais mulheres continuem sendo vítimas desse tipo de agressão. “Não podemos normalizar uma situação como essa, independentemente de quem a pratique”, ressaltou.
Na entrevista, Anielle não quis detalhar o que sofreu. “Apesar da dor, da violência e da decepção, falei todo o necessário nas instâncias devidas, conforme me comprometi a fazer. Publicamente, não quero entrar em detalhes, para preservar as investigações em curso e também porque não quero repetir, repetir e repetir violência. Traumas não são entretenimentos”, declarou.
“Vulnerável”
Anielle relatou que, inicialmente, teve dificuldade em acreditar na situação. “Quis acreditar que estava enganada, que não era real, até entender e cair a ficha sobre o que estava acontecendo. Fiquei sem dormir várias noites. Eu só queria trabalhar, focar na missão, no propósito e em toda a responsabilidade que se tem quando se assume um cargo como o meu. Mas não conseguia”, lamentou.
“Fico me perguntando o tempo todo por que não reagi na hora, porque não denunciei imediatamente, porque fiquei paralisada. Me culpei muito pela falta de reação imediata, e essas dúvidas ficaram me assombrando. Me lembrava de todas as mulheres que já tinha acolhido em situação de violência. Mas o fato é que não estamos preparadas o suficiente para enfrentar uma situação assim nem quando é com a gente. Eu me senti vulnerável”, completou a ministra.
Ainda de acordo com Anielle, a sensação de vulnerabilidade foi aumentada após a revelação do caso. Segundo ela, foi “atravessada” pela divulgação das notícias.
“Me senti mais vulnerável ainda. Fiquei em silêncio porque tudo aquilo era muito violento. Estava atravessada pela forma como as notícias saíram e pelo cerco dos jornalistas. Sei que vivemos nesse mundo de internet, em que tudo é muito rápido e todo mundo quer saber de tudo, mas nenhuma vítima, de qualquer tipo de violência que seja, tem a obrigação de se expor, falar quando as pessoas querem que ela fale. As vítimas têm de falar na hora em que elas se sentirem confortáveis”, reiterou a ministra a Veja.
Apoio
Questionada sobre a reação da primeira-dama do Brasil, Janja, que postou uma foto beijando a testa de Anielle, no dia da revelação do caso, a ministra disse que foi uma demonstração de solidariedade.
“Janja é uma grande companheira de luta e, desde que cheguei ao governo, ela se tornou amiga e parceira. A postagem simboliza mais do que solidariedade. É uma manifestação de apoio e de compromisso com a agenda de proteção às mulheres, de tolerância zero à violência e à opressão”, afirmou.