É melhor viver mais tempo como prisioneiro ou viver pouco tempo em liberdade? Fiquei pensando depois de uma rápida visita a um pet shop em que o vendedor citava que o pássaro curió vive mais tempo numa gaiola do que na natureza. E os peixinhos que morrem presos em aquários decorativos, é possível refletir sobre isso? E o ser humano prefere envelhecer em prisões físicas e emotivas ou ter liberdade com vida curta?
Qual o sentido de viver mais para um pássaro que não tem o gosto de voar e cantar nos lírios do campo? Qual a alegria do passarinho sem o pousar nos troncos que seguem a correnteza do rio, beber água corrente e ouvir o barulho de vida que o rio transmite? Qual a conquista de um pássaro sem o direito de voar longe com toda energia no céu azul ou de ficar tomando banho de chuva entre os galhos e as folhas das árvores? Comer frutas, caçar e degustar os pequenos insetos não são prazeres dos passarinhos?
Não é importante para os peixinhos viverem nos rios? Nadar, nadar…para crescer suas nadadeiras, ganhar força, agilidade e reproduzir para encher os rios de vidas e cores, não é o sentido de vida dos peixinhos? Qual a justificativa da existência do peixe sem desafiar as correntezas, as secas dos rios e buscar o seu alimento? E sem sentir a água fria e calma da noite de lua nova, além dos desafios da lua cheia.
Tanto os passarinhos engaiolados como os peixes de aquários perderam ou perdem suas essências naturais. Existem e existiram passarinhos e peixes que nunca conheceram um rio, uma árvore, uma água corrente e nem o gosto e o prazer de uma liberdade. Nasceram, viveram e morreram dentro de prisões de vidros ou de grades.
Em ambiente natural não existe somente prazer, experiências boas e convívio com os outros da mesma espécie. Há perigo, há predadores, existem dificuldades para todo dia superar. Porém, viver em prisões é a solução para as intempéries naturais?
O ser humano não é só craque em aprisionar outros seres da natureza, mas também em criar suas próprias gaiolas físicas e mentais que agem contra a liberdade. Como o ser humano consegue viver sem o direito ao seu próprio corpo? Qual destaque de uma vida sem olhar o mar, tomar banho de rio e contemplar o orvalho? Como viver sem liberdade de expressão, sem artes, sem poesia e sem poder escolher a forma de amar?
Povos e pessoas não tiveram ou não alcançaram a liberdade, independentemente de cor, de letramento, de crenças e de ser justo ou não. Todos os impérios, os gregos, os romanos, os ingleses, os franceses, os portugueses, os espanhóis e até os Estados Unidos da América possuíram escravos e utilizavam a força física e ideológica para consolidar as “posses”.
Filósofos, reis e rainhas africanos, indígenas e pretos, crianças e velhos foram escravizados. Existiram gerações de pessoas pretas no Brasil que jamais conheceram a liberdade, sequer tinham direito ao seu próprio corpo e não tiveram paz, um sono digno e nunca foram responsáveis pelos destinos de seus próprios filhos e filhas.
Agora a escravidão física humana vem sendo substituída pela psíquica, em que a pessoa se sente presa ao resultado de produção e de metas. Uma necessidade louca de ser celebridade, de vencer a qualquer custo. Não é uma prisão de ferro. É uma prisão da consciência que faz a pessoa ser apenas um corpo produtivo com autocobrança.
Se a expressão de liberdade pode ser definida como um direito individual e natural do ser humano ou, como uma conquista do viver na coletividade, então é necessário repensar o atual modo de vida, porque não faz sentido ser um prisioneiro vivo e abrir mão da liberdade. Isso é escravidão sofisticada. Enquanto o novo viver não acontece, quem busca aprisionar a natureza e criar prisões humanas, é fato, tem sido o próprio ser humano.
Carlos Santiago é Sociólogo, Cientista Político e Advogado.