Cineastas e financiadores de Hollywood estão perplexos com o anúncio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que deseja uma tarifa de 100% sobre filmes produzidos fora dos EUA.
Diversos executivos de estúdios de cinema e da indústria do streaming que conversaram com a imprensa estão completamente indignados porque acreditam que o presidente não pensou nas ramificações de sua proposta, que poderia dizimar uma indústria que é símbolo global.
Outras fontes têm uma visão mais receptiva, afirmando que Trump está instigando um diálogo sobre uma questão real — a chamada “produção fugitiva” — que poderia ser abordada de várias maneiras.
“À primeira vista, é chocante e representaria uma interrupção praticamente completa da produção”, comentou um insider da indústria. “Mas na realidade, ele não tem jurisdição para fazer isso e é muito complexo para aplicar”.
As ações da Netflix e de outras grandes empresas de entretenimento caíram nesta segunda-feira (5) enquanto os investidores digeriam os comentários confusos do republicano.
“A postagem da noite passada do Presidente Trump no Truth Social deixou todos em Hollywood coçando a cabeça”, disse Rich Greenfield, sócio da Lightshed Ventures, em nota.
Algumas das fontes da indústria que falaram com a imprensa duvidam que qualquer plano tarifário desse tipo seja realmente implementado.
Como propriedade intelectual, filmes são uma forma de serviços — não de bens. Serviços normalmente não estão sujeitos a tarifas, e não está claro como funcionariam as taxas de Trump sobre filmes estrangeiros.
Além disso, a afirmação de Trump de que a produção cinematográfica estrangeira constitui uma “ameaça à segurança nacional” pode não resistir ao escrutínio legal.
Mas, os líderes da indústria do entretenimento estão levando a possibilidade a sério. Vários executivos entraram em contato com o Secretário de Comércio Howard Lutnick sobre a proposta tarifária, segundo duas fontes familiarizadas com as discussões.
Lutnick respondeu à demanda de Trump no X no domingo à noite, dizendo: “Estamos cuidando disso”.
A postagem de Trump nas redes sociais pode ter sido apenas uma jogada inicial.
Na segunda-feira, um porta-voz da Casa Branca, Kush Desai, disse que “embora nenhuma decisão final sobre tarifas de filmes estrangeiros tenha sido tomada, a Administração está explorando todas as opções para cumprir a diretiva do Presidente Trump de salvaguardar a segurança nacional e econômica do nosso país enquanto faz Hollywood grande novamente”.
A referência da Casa Branca a “todas as opções” pode acalmar alguns nervos, já que os lobistas de Hollywood têm pressionado por incentivos (como benefícios fiscais federais para filmes) em vez de punições (como uma tarifa) há algum tempo.
A produção de filmes e televisão, antes centralizada em Hollywood e arredores, tem migrado para outros estados americanos e cada vez mais para outros países devido a incentivos fiscais e outros cálculos financeiros.
Uma ampla variedade de filmes, desde “produções independentes de baixo orçamento até blockbusters de estúdio”, estão “atualmente sendo feitos em países como Reino Unido, França, Alemanha e Hungria”, observou a revista especializada Variety na segunda-feira, ao transmitir o “choque e a descrença em toda a indústria cinematográfica europeia”.
Trump fez a ideia parecer simples quando falou com repórteres na Casa Branca no domingo à noite.
“Outras nações têm roubado os filmes, as capacidades de fazer filmes, dos Estados Unidos”, disse ele, aparentemente se referindo ao número crescente de filmes que são produzidos em outros países como o Canadá.
“Deveríamos ter uma tarifa sobre os filmes que entram”, disse Trump, possivelmente se referindo a filmes que são financiados e distribuídos por empresas americanas, mas filmados em outros lugares.
A Motion Picture Association of America (MPA), organização que representa os principais estúdios dos EUA, recusou-se a comentar o anúncio de Trump. Mas a MPA divulgou um relatório em 2023 mostrando que a indústria cinematográfica dos EUA tem um superávit comercial de US$ 15,3 bilhões com mercados estrangeiros, equivalente a três vezes o valor dos filmes importados.
No entanto, não está claro se a MPA incluiu filmes domésticos que foram produzidos no exterior.
As questões sobre as tarifas de Trump para filmes são volumosas. Filmes feitos por empresas americanas, mas ambientados em outros países — digamos, um drama histórico da Segunda Guerra Mundial — serão taxados por filmar nos lugares onde se passam? E quanto aos filmes que são produzidos parcialmente nos Estados Unidos e parcialmente em outros lugares?
Alguns dos executivos da indústria se perguntaram em voz alta se a ideia de Trump era sobre punir o Canadá, onde muitos filmes são feitos atualmente devido a incentivos fiscais. Uma das fontes perguntou, referindo-se a Hollywood de tendência esquerdista: “Ele está nos provocando porque não votamos nele?”
E um executivo questionou se Trump tinha alguma noção real de como funciona a produção moderna de TV e cinema: “Alguém já disse a ele o que isso fará com James Bond, Harry Potter, Dune? Onde devemos filmar Emily in Paris?”