A disputa aberta entre Washington e Brasília, iniciada com o tarifaço de 50% imposto pelos EUA sobre produtos brasileiros, “não é apenas mais uma guerra comercial” e está “profundamente moldada pelo destino de um só homem”, o ex-presidente Jair Bolsonaro, e por isso tende a se agravar, avalia o Financial Times em longa reportagem publicada nesta terça-feira (12).
Segundo o jornal britânico, o embate é “a pior crise em 200 anos de relações bilaterais”, pois Trump não apenas subiu tarifas, mas também exigiu que o Supremo Tribunal Federal (STF) interrompesse o julgamento de Bolsonaro, “uma demanda política que é impossível atender”, pois Lula “não tem poder para parar o julgamento, mesmo que quisesse, e vê vantagem política doméstica em enfrentar Washington”.
O FT detalha que Bolsonaro está sendo julgado pela acusação de ter tramado um golpe militar para permanecer no poder após perder as eleições de 2022 e que as acusações incluem “participação em um plano para assassinar Lula” e “comandar uma insurreição em massa em Brasília”.
O jornal lembra que o Ministério Público e a Polícia Federal afirmam ter “abundantes evidências” contra o ex-presidente, como depoimentos de ex-comandantes das Forças Armadas, a minuta do decreto para intervenção militar encontrado na casa de seu ex-ministro da Justiça, e que o próprio Bolsonaro admitiu em depoimento ter tido conversas sobre “cenários alternativos” para evitar a posse de Lula.
Para o Financial Times, esse julgamento toca um ponto sensível para ministros do STF “velhos o suficiente para lembrar a brutalidade da última ditadura militar do país”. Amigos dos magistrados, diz o jornal, afirmam que eles “estão convencidos de que o julgamento deve ser concluído com sucesso para provar que as jovens instituições democráticas do Brasil podem entregar justiça, mesmo nas condições mais desafiadoras”.
A reportagem também aponta que o atrito vai além do caso Bolsonaro. Trump quer que o STF reverta regulações duras sobre big techs e se queixa de práticas comerciais injustas, apesar de dados do próprio governo americano mostrarem superávit de US$ 7,4 bilhões para os EUA no comércio com o Brasil em 2024. Apesar disso, disse o FT, Washington suspendeu vistos de oito ministros do Supremo e aplicou sanções financeiras contra Alexandre de Moraes, “usando legislação reservada a graves violadores de direitos humanos”.
A publicação ressalta que as tarifas vieram com diversas exceções, mas que o tarifaço, somado ao peso crescente da China como principal parceiro comercial, explica por que Lula tem resistido e buscado reforço no BRICS. O presidente conversou nos últimos dias com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, com o presidente russo, Vladimir Putin e, na noite de segunda-feira (11), com o presidente da China, Xi Jinping.
O jornal também destaca o efeito interno do embate, com Lula explorando a crise para reforçar uma imagem de “patriota defendendo a soberania nacional de interferências americanas”, enquanto parte do agronegócio, tradicionalmente próximo de Bolsonaro, critica os impactos econômicos das ações dele e de seu filho Eduardo, que nos EUA fez lobby para que Trump sancionasse ministros do STF.
Por outro lado, Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, disse ao jornal que Lula desafiar o presidente dos EUA “não vai funcionar bem para o povo brasileiro”.
Com o julgamento de Bolsonaro se aproximando do fim, o FT avalia que “tudo sugere que Bolsonaro será considerado culpado” e que isso pode levar Trump a “intensificar a pressão sobre o Brasil”, mantendo a disputa sem solução à vista.