Autoridades de saúde e segurança pública do Brasil, em especial nos estados de São Paulo e Pernambuco, estão em alerta máximo devido ao aumento de casos de intoxicação por metanol relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas adulteradas.
Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas confirmou que o estado acumula 22 casos — sete confirmados e 15 em apuração. Entre os 22 casos estão cinco mortes ligadas à suposta ingestão da substância, com um óbito confirmado na capital paulista e quatro mortes ainda sob investigação.
No Nordeste, Pernambuco registrou três suspeitas de intoxicação, resultando em dois óbitos.
Onde e o que está sendo adulterado
Um dos estabelecimentos interditados foi o Bar Ministrão, na região nobre dos Jardins. O dono do local, Zé Rodrigues, foi conduzido à delegacia após a Vigilância Sanitária constatar que o bar adquiriu bebidas de um “vendedor de rua” sem nota fiscal.
Rodrigues confirmou ter comprado bebidas quentes — como a vodka que uma vítima supostamente consumiu — desses distribuidores informais, embora tenha negado ter vendido produtos falsificados.
Há relatos de diversos outros estabelecimentos que teriam vendido bebidas adulteradas. No entanto, a polícia ainda investiga os casos, uma vez que os próprios donos de estabelecimentos podem ter sido vítimas dos distribuidores das bebidas com metanol, comprando os produtos sem saber da procedência.
As bebidas destiladas, como gin, vodca e whisky, são os produtos mais afetados pela falsificação. Em um dos casos mais notórios, um jovem consumiu um gin importado adulterado com metanol em uma adega na Cidade Dutra, zona Sul de São Paulo, e precisou ser hospitalizado.
Dono do bar interditado nega vender bebida com metanol: “Eu não sabia”
Ele e três amigos foram internados, e as garrafas e copos foram apreendidos, confirmando a presença da substância. Um amigo da vítima relatou que a garrafa de bebida, de marca famosa, estava lacrada e não apresentava nada de anormal visualmente.
As marcas adulteradas também são vítimas do esquema, uma vez que sofrem com a pirataria de seus produtos.
Operações
As operações policiais resultaram em apreensões significativas:
- Mais de 800 garrafas de bebidas sem procedência foram apreendidas na capital paulista em dois dias.
- No município de Americana, uma operação desmantelou uma fábrica clandestina que produzia 17.790 produtos (whisky, gin e vodca) e prendeu duas pessoas.
O problema da falsificação é vasto, aponta uma pesquisa da Fhoresp de abril de 2025, que indica que 36% das bebidas comercializadas no Brasil são fraudadas, falsificadas ou contrabandeadas.
A toxicidade do Metanol e os sintomas traiçoeiros
O metanol é uma substância líquida, incolor e inflamável, utilizada como solvente, combustível e na fabricação de diversos produtos químicos. Quando consumido, é altamente tóxico e pode levar à morte mesmo em doses pequenas.
Segundo o toxicologista Alvaro Pulchinelli, é impossível identificar o metanol em bebidas adulteradas, pois ele não possui cheiro ou gosto desagradável, misturando-se facilmente. A confirmação só é possível por meio de análise clínica da bebida ou de exames da vítima.
Os sintomas iniciais da intoxicação por metanol são traiçoeiros, pois se assemelham aos de uma ressaca ou intoxicação por álcool comum (etanol). Eles incluem sonolência, tontura, náuseas, vômitos, dor abdominal e confusão mental.
O jovem internado na Cidade Dutra descreveu: “Está tudo rodando e parece que eu tô com a pressão baixa, sei lá, está muito esquisito”. Ele inicialmente acreditou ser somente uma ressaca intensa, mas descobriu que foi intoxicado.
O perigo real surge tipicamente entre 6 e 24 horas após o consumo, quando os sintomas se agravam:
- Complicações visuais: visão turva, fotofobia e, em casos graves, a cegueira pode ser irreversível. Um dos amigos da vítima na capital paulista teve cegueira temporária.
- Outros sinais graves: convulsões, coma, acidose metabólica grave, choque e insuficiência renal.
Recomendações e o combate à falsificação
Diante da crise, o MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública) emitiu uma recomendação urgente para todos os estabelecimentos, como bares, restaurantes, hotéis, mercados, e-commerce. O Ministério orienta a:
- Atenção aos sinais de fraude: lacres tortos, erros evidentes de impressão e preços atipicamente baixos. Preços muito abaixo do mercado, especialmente de novos fornecedores, são um grande alerta.
- Procedência: Comprar somente de fornecedores confiáveis, exigir nota fiscal e desconfiar de distribuidores de rua sem regularização fiscal.
- Cautela: O Sindicato dos Clubes do Estado de São Paulo (Sindiclubes) orientou seus associados a suspenderem a venda de destilados como medida preventiva.
- Em caso de suspeita: interromper a venda do lote suspeito, isolar os produtos para perícia. Se um cliente apresentar sintomas como visão turva, dor de cabeça ou náusea, o estabelecimento deve encaminhá-lo para atendimento médico urgente e acionar o Disque-Intoxicação.
A nível federal, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que os casos de metanol transcendem os limites de um único estado e determinou que a Polícia Federal abra um inquérito para investigar a rede de distribuição e a procedência da droga.
O que dizem a lei e as autoridades
A adulteração de bebidas com metanol pode configurar crimes contra a saúde pública e o consumidor, com penas que podem somar até 12 anos de detenção. Mesmo estabelecimentos que não falsificaram a bebida podem ser punidos se agirem sem a devida cautela na compra dos produtos.
O Secretário Nacional do Consumidor, Paulo Pereira, contudo, ressaltou que nem todo comércio ilegal implica adulteração de bebidas, muitas vezes sendo apenas irregularidades fiscais.
O governador Tarcísio de Freitas, por sua vez, descartou a participação do PCC no esquema de venda de bebidas falsificadas com metanol no estado de São Paulo.