A decisão do governo Trump de reduzir as tarifas para mais de 200 produtos brasileiros, incluindo o café e a carne bovina, é resultado da combinação entre esforços diplomáticos e um cenário econômico cada vez mais desconfortável para a Casa Branca, num momento em que o custo de vida voltou ao centro da política americana.
A mudança vale para exportações brasileiras que entraram nos Estados Unidos a partir de 13 de novembro, mesma data da reunião entre o chanceler Mauro Vieira e o secretário de Estado americano, Marco Rubio.
No decreto assinado por Trump, o republicano cita a conversa que teve com Lula, em 6 de outubro na Malásia, e o avanço das negociações com o Brasil foi decisivo para justificar a redução das tarifas de 50% impostas no decreto publicado em 30 de julho.
Mas para além da diplomacia externa, a pressão econômica doméstica foi crucial para que Trump deixasse questões políticas de lado e se concentrasse em aspectos técnicos.
O tarifaço elevou a taxa de importação dos Estados Unidos para mais de 18%, o maior nível desde 1934, segundo o Laboratório de Orçamento de Yale.
Brasil, Colômbia e Vietnã, os três maiores fornecedores de café dos EUA, foram tarifados ao mesmo tempo.
Segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), as importações americanas de café brasileiro caíram pela metade entre agosto e outubro em relação ao mesmo período de 2024.
Em setembro, o americano já estava pagando 20% a mais pelo café do que um ano antes, segundo os dados de inflação ao consumidor (CPI) divulgados pelo Escritório de Estatísticas de Trabalho dos EUA (BLS).
Em um país onde o café é parte da rotina e considerado item indispensável, os americanos não deixaram de comprar o produto, continuaram consumindo, mas sentindo no bolso o aumento.
De acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), os frigoríficos brasileiros exportaram cerca de 181 mil toneladas de carne bovina, no valor de US$ 1 bilhão, para os Estados Unidos no primeiro semestre deste ano, o que equivale a cerca de 12% do total das exportações de carne bovina do país.
Não à toa, as tarifas de 50% sobre os bovinos brasileiros foram citadas como um dos principais motivos para o aumento de 14,7% nos preços da carne bovina em um ano nos Estados Unidos, segundo o CPI.
O americano adora hambúrguer, não dispensa um cafézinho, mas esses itens não são os únicos vilões. A inflação está acima da média para os padrões dos Estados Unidos.
Historicamente, a inflação do país costuma girar perto da meta de 2% do Federal Reserve, o banco central americano. Mas, desde a pandemia, o país vive um período prolongado de preços pressionados. Um estudo recente do presidente regional do Federal Reserve de St. Louis, Fernando Martin, revelou que os preços no geral estão cerca de 20% mais altos do que antes da pandemia.
Apesar da desaceleração da inflação do pico de 9,1%, atingido em 2022, para os atuais 3%, os preços não caíram, apenas desaceleraram. Em outras palavras, continuaram subindo, em cima de um aumento recente considerável.
O estudo do Fed de St. Louis divide a inflação dos EUA nos últimos 13 anos em três períodos: entre 2012 e 2020 a inflação média anual foi de 1,5%; subiu para 5,5% entre 2021e 2022; e permaneceu em 2,7% de 2023 a 2025.
Martin revela ainda que o poder de compra de US$ 1.000 hoje seria reduzido para US$ 820 em 10 anos, em um cenário de inflação anual estável de 2%. E cairia para US$ 744 em um cenário de inflação a 3%.
Nesse cenário, Trump corre o risco de perder a bandeira considerada mais crucial para a sua vitória eleitoral em 2024: a promessa de “affordability”, de um custo de vida mais acessível.
Pesquisas recentes já refletem o desgaste provocado pelos preços persistentemente altos. Um levantamento da CNN apontou que 61% dos americanos acreditam que as políticas do presidente pioraram a economia. No pior momento do governo de Joe Biden, esse percentual não passou de 58%.
Outro levantamento, divulgado nesta semana pela Ipsos/Reuters, mostra que a aprovação de Trump caiu para 38%, a mais baixa desde o seu retorno ao poder, com os americanos insatisfeitos com a sua gestão do alto custo de vida e com a investigação sobre o criminoso sexual Jeffrey Epstein.
Além das pesquisas, outro forte sinal de desaprovação, que acendeu o alerta do governo Trump, foram as eleições realizadas no início do mês. Democratas saíram vitoriosos na Virgínia, em Nova Jersey, na Pensilvânia e na cidade de Nova York. E o ponto em comum entre todas as campanhas foi a promessa de avanços sobre a crise do custo de vida.
Nesse contexto econômico e político, o Brasil intensificou seus contatos com Washington. As conversas ganharam tração depois que Trump disse que havia química entre ele e o presidente Lula na Assembleia Geral da ONU em agosto.
O presidente americano não disse o que o fez mudar de ideia e deixar Jair Bolsonaro para trás, mas por todos os fatores citados é possível imaginar que a economia americana pode ter quebrado o gelo para a abertura de diálogo com o Brasil.
É por isso que a queda das tarifas não deve ser lida como um gesto isolado. Ela nasce da convergência entre a busca de Donald Trump por mudar a narrativa econômica do seu governo e a habilidade da diplomacia brasileira de aproveitar a oportunidade.

