A classificação do Cartel de los Soles como uma organização terrorista pelo governo dos Estados Unidos passa a valer a partir desta segunda-feira (24). A medida amplia a possibilidade de justificativas para um eventual ataque norte-americano à Venezuela.
A mudança na designação do cartel venezuelano já havia sido anunciada, no último dia 16 de julho, pelo secretário de Estado Marco Rubio, com efetividade a partir desta semana.
Apesar de não haver informações oficiais sobre o Cartel de los Soles, a tese do governo americano é que o grupo surgiu junto à chegada de Hugo Chávez ao poder, em 1999, e foi responsável por uma espécie de “estatização do tráfico de drogas” no país, transformando a Venezuela em um narcoestado.
As autoridades americanas acusam o Cartel de los Soles de trabalhar com outros grupos classificados como terroristas, como Tren de Aragua e Cartel de Sinaloa, para enviar narcóticos aos Estados Unidos.
O comunicado do Departamento de Estado, que anunciou a mudança, afirma que o Cartel de los Soles é liderado por Maduro e aliados de alto escalão, que “corromperam as forças armadas, a inteligência, o legislativo e o judiciário da Venezuela”.
“Nem Maduro nem seus aliados representam o governo legítimo da Venezuela. O Cartel de los Soles, juntamente com outras FTOs [Foreign Terrorist Organization] designadas, incluindo o Tren de Aragua e o Cartel de Sinaloa, é responsável por atos de violência terrorista em todo o hemisfério, bem como pelo tráfico de drogas para os Estados Unidos e a Europa”, diz o texto, assinado por Marco Rubio.
Maduro rejeita as alegações de que ele seria o líder do Cartel de los Soles, agora designado como organização terrorista, e diz que os EUA coordenam uma campanha de difamação para desestabilizar seu governo e derrubá-lo do poder.
No dia 25 de julho, os EUA já haviam classificado o Cartel de los Soles como “Specially Designated Global Terrorist (SDGT)” (Terrorista Global Especialmente Designado, tradução livre) e na ocasião reiteraram que o grupo atuava sob comando de Maduro.
Agora, o grupo passa a ser classificado como “Foreign Terrorist Organization (FTO)” (Organização Terrorista Estrangeira, em português), uma das designações antiterroristas mais graves do Departamento de Estado.
A classificação anterior, SDGT, tem natureza mais financeira e é usada para indivíduos, empresas e grupos que financiam terrorismo ou operam como redes criminosas.
A nova classificação, FTO, eleva a gravidade das acusações dos EUA sobre Maduro e, o principal, garante uma justificativa legal ao governo de Donald Trump para realizar ataques militares.
A norma que rege a designação de um grupo como FTO nos Estados Unidos é a seção 219 da Lei de Imigração e Nacionalidade dos Estados Unidos. A legislação afirma que é ilegal para uma pessoa nos Estados Unidos ou sujeita à jurisdição do país fornecer, conscientemente, apoio material ou recursos a uma organização terrorista designada.
Portanto, a classificação permite que o governo americano aplique punições cabíveis a indivíduos ou instituições que tiverem algum tipo de ligação com a organização terrorista em questão.
“Qualquer instituição financeira dos EUA que tome conhecimento de que possui ou controla fundos nos quais uma Organização de Transação Estrangeira (FTO) designada ou seu agente tenha interesse deve manter a posse ou o controle desses fundos e reportá-los ao Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro dos EUA”, diz a norma.
A lei diz ainda que representantes e membros de uma FTO designada, se forem estrangeiros, são inadmissíveis e, em certas circunstâncias, deportáveis dos Estados Unidos.
Segundo o Departamento de Justiça, o governo dos EUA considera que o presidente tem autoridade constitucional e estatutária para usar força militar contra organizações terroristas ou grupos que apoiem terrorismo
O próprio presidente Donald Trump afirmou no dia 16 de julho que a designação poderia permitir que os militares dos EUA atacassem os bens e a infraestrutura de Maduro dentro da Venezuela.
Embora designar uma organização estrangeira como organização terrorista não confira autoridade legal para ataques militares – tecnicamente, autoriza apenas sanções financeiras e diplomáticas, como o congelamento de bens –, o governo americano tem utilizado essa medida como pretexto para ações militares em tempos recentes.
As forças armadas dos EUA atacaram 22 pequenas embarcações que, segundo o governo, eram tripuladas por gangues criminosas designadas como organizações terroristas estrangeiras.
Questionamentos sobre a designação de organização terrorista
Especialistas afirmam que não há evidências de que a Venezuela tenha uma produção significativa de cocaína, conforme avaliação do UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime). O país funcionaria mais como um corredor estratégico do narcotráfico, favorecido pela corrupção e pela sua geografia, do que como produtor.
Também há dúvidas sobre a definição do Cartel de los Soles como um cartel clássico. Em reportagem anteriormente publicada, especialistas argumentam que o cartel funciona como uma rede de militares, policiais e atores ligados ao Estado venezuelano que oferecem proteção e logística ao tráfico internacional. Não existe uma evidência sólida dessa ideia de uma estatização do cartel, sob liderança de Maduro.
Outras críticas dizem respeito à classificação do grupo como terrorista, pois algumas das gangues e cartéis designados pelos EUA são motivados pelo lucro, e não por ideologia. Grupos terroristas, tradicionalmente, são definidos como grupos que praticam violência política.
A designação do Cartel de los Soles, que pode nem sequer ser uma organização formal, leva essa lógica já contestada um passo adiante.
Recompensa de US$ 50 milhões por Maduro
Em março de 2020, ainda no primeiro mandato de Donald Trump, os Estados Unidos acusaram Maduro formalmente por narcoterrorismo, corrupção e tráfico de drogas.
Na denúncia, o governo americano afirmou que Maduro liderou o Cartel de los Soles desde a sua criação e o utilizou para corromper instituições venezuelanas – como as Forças Armadas, o aparato de inteligência, o Legislativo e o Judiciário – para facilitar a exportação de toneladas de cocaína aos Estados Unidos.
À época, Maduro negou as acusações e as classificou como uma ação “escandalosamente extremista, vulgar e miserável”. Ele afirmou ainda que Trump era um “caubói, racista e supremacista”, que “maneja as relações internacionais como um extorsor das máfias nova-iorquinas”.
Junto à denúncia de 2020, Washington ofereceu 15 milhões de dólares por informações que levassem o líder venezuelano à prisão. As acusações continuam em aberto e, no último dia 7 de agosto, o governo americano subiu a recompensa para US$ 50 milhões.

