A saúde masculina atravessa uma encruzilhada decisiva no Amazonas. Em 2025, enquanto a
discussão sobre prevenção ganha força nas redes sociais e as campanhas de conscientização
alcançam mais pessoas, a realidade estrutural do sistema ainda expõe limitações profundas:
falta de acesso, baixa quantidade de especialistas, filas longas de regulação e um conjunto de
barreiras culturais que fazem o homem adiar o que deveria ser prioridade.
Nesse cenário, a campanha Novembro Azul ressurge como um dos movimentos mais
importantes do calendário da saúde, especialmente num estado com áreas remotas, interior de
difícil acesso e desigualdades marcantes. A campanha deste ano, porém, chega acompanhada
de um ingrediente adicional: o reconhecimento de profissionais que têm, silenciosamente,
movido as engrenagens para melhorar esse quadro.
Entre esses nomes está o médico urologista e professor Dr. Cristiano Paiva, membro titular
da Sociedade Brasileira de Urologia, especialista em uro-oncologia, endourologia, laparoscopia
e cirurgia robótica; e que acaba de ser homenageado pela Associação PanAmazônia com a
Medalha Grandes Amazônidas – Edição Clarice Pazuello Benzecry, honraria destinada a
personalidades que transformam a realidade da região.
Sua atuação, porém, vai muito além dos consultórios e dos centros cirúrgicos. Em 2025, o
médico intensificou esforços por meio de ações presenciais em municípios como Manacapuru,
atendimento a trabalhadores do próprio prédio onde atua em Manaus e uma grande
mobilização no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV), onde é chefe do serviço de
urologia e coordena uma ação capaz de atender mais de 300 homens fora da fila do
SISREG. É um movimento que, embora não resolva sozinho o problema do estado, mostra que
o caminho passa por engajamento, informação e políticas públicas mais ousadas.
Nesta reportagem especial, vamos aprofundar os desafios, avanços e oportunidades da saúde
masculina no Amazonas, explorando em profundidade a visão e a experiência de Cristiano
Paiva; e como sua abordagem integra ciência, prática, gestão e impacto social numa região
que precisa, urgentemente, de protagonismo nas políticas voltadas ao homem.
A resistência masculina e o impacto direto na longevidade
Um dos pontos mais marcantes da entrevista com o Dr. Cristiano é sua explicação sobre o
comportamento masculino diante da própria saúde. Ele não suaviza: os homens ainda têm
resistência em procurar atendimento. E isso cobra um preço alto.
Segundo ele, “as mulheres, pelo fato de se cuidarem mais, vivem em média sete anos a mais
que os homens no Brasil. Isso está nos dados do IBGE”. O médico reforça que esse abismo
não é resultado de uma predisposição biológica inevitável, mas da consequência direta do
comportamento preventivo (ou da falta dele). Enquanto as mulheres realizam consultas
ginecológicas regulares desde a adolescência, o homem tende a adiar a ida ao médico até
quando o sintoma se torna insuportável.
É nesse intervalo, entre o descaso e o diagnóstico tardio, que a doença se fortalece.
Especialmente o câncer de próstata, que no estágio inicial não apresenta sintomas. Não dói.
Não altera o jato urinário. Não interrompe o sono. Não dá sinais.
Sobre isso, o médico é categórico:
“O paciente que tem cura é aquele que ainda não tem sintoma.”
Essa frase sintetiza um problema histórico e, ao mesmo tempo, o foco estratégico da
campanha Novembro Azul: convencer o homem a procurar o médico antes que algo aconteça.
O papel decisivo da informação (e o impacto das redes sociais)
Se a resistência é um obstáculo, a disseminação de informação qualificada tem sido uma das
principais armas para superá-la. Cristiano destaca um dado que revela como a comunicação
mudou a curva da prevenção: antes da internet, o crescimento médio de procura por
atendimento durante o Novembro Azul variava entre 5% e 10%. Depois da popularização das
redes sociais, saltou para 15% a 25%.
“Quando você pulveriza a informação, a pessoa se sente orientada, motivada, esclarecida. E
isso muda o comportamento”, afirma.
Mas o impacto das redes sociais não elimina outro gargalo estruturante: o acesso. O
Amazonas, segundo o médico, ainda possui um número pequeno de urologistas em
atividade, o que cria um funil natural na entrada do paciente, principalmente para quem
depende do SUS. A fila do SISREG, que regula a marcação de consultas e exames, é descrita
como um grande limitador.
O caminho alternativo tem sido o aumento de campanhas presenciais, atendimentos em
policlínicas e iniciativas independentes de médicos e instituições da sociedade civil — como a
PanAmazônia, que tem apoiado ações de saúde em áreas de pouca cobertura assistencial.
A falta de políticas públicas específicas para homens
O médico também chama atenção para um ponto crucial: não existe no Amazonas, e
tampouco no Brasil como um todo, uma política robusta de saúde pública focada no
homem, comparável à que existe para as mulheres.
“Temos carretas da mulher, com papanicolau, mamografia, exames preventivos, instituições
voltadas à saúde feminina. E para o público masculino, o que nós temos?”, questiona.
A provocação não vem desprovida de argumento: historicamente, o país investiu fortemente
em agendas de saúde feminina e infantil, mas a saúde masculina permaneceu subordinada a
várias áreas, sem um programa contínuo, com estrutura própria e investimentos
sistematizados.
O médico defende que essa lacuna precisa ser corrigida, sobretudo em estados como o
Amazonas, onde as distâncias geográficas são grandes, a população é distribuída em áreas
remotas e o acesso a especialistas é limitado.
O acesso aos exames e a importância de desmistificar a saúde masculina
Entre os temas mais sensíveis da urologia, o TOC retal, exame essencial para o diagnóstico
precoce do câncer de próstata, ainda é permeado por preconceitos, tabus e resistência
emocional. Cristiano explica que essas barreiras não se concentram apenas nos homens mais
velhos, mas também aparecem em pacientes mais jovens, muitos influenciados pela cultura do
constrangimento.
O médico, porém, faz questão de esclarecer: o exame não é obrigatório para todos os pacientes.
Ele explica que o TOC é indicado principalmente para quem tem fatores de risco:
– histórico familiar de câncer de próstata;
– homens negros, que têm maior incidência;
– homens acima de 45 anos com risco;
– homens acima de 50 sem fatores adicionais.
“O PSA é excelente, mas ele acerta em 70% dos casos e erra em 30%. Quando fazemos o
toque associado, essa margem de erro cai para 5%. Então, o toque complementa o PSA”, diz o
urologista.
Cristiano também revela uma abordagem humanizada, construída ao longo de anos de
consultório:
– evitar fazer o TOC na primeira consulta, para reduzir ansiedade do paciente;
– explicar com clareza e transparência por que o exame é importante;
– nunca impor o exame como obrigatório, mas apresentar benefícios e dar autonomia ao
paciente.
Essa postura, que ele também recomenda aos profissionais mais jovens, demonstra uma
mudança importante: menos imposição, mais acolhimento, sem abrir mão da ciência.
A medicina 360 graus e os novos horizontes da urologia
A urologia mudou. E mudou muito. A visão que restringia o especialista à próstata ou ao trato
urinário ficou para trás. Segundo Cristiano, a prática atual exige um olhar integral: diabetes,
fatores cardiovasculares, função renal, hormônios, saúde óssea, envelhecimento.
A urologia passou a dialogar intensamente com áreas como endocrinologia, cardiologia,
nefrologia e geriatria. O médico explica que não basta tratar o câncer de próstata; é preciso
evitar que um paciente com testosterona baixa envelheça mal, que homens diagnosticados
com infertilidade recebam acompanhamento adequado e que distúrbios miccionais sejam
tratados antes de virar marcadores de doenças mais graves.
Ele destaca ainda o avanço das subespecialidades:
– Andrologia, voltada à saúde hormonal e à fertilidade;
– Uro-oncologia, sua principal área;
– Urologia reconstrutiva, fundamental em sequelas de traumas;
– Endourologia, dedicada a cálculos e obstruções;
– Cirurgia minimamente invasiva e robótica, tendência mundial.
No entanto, quando o assunto é tecnologia, o Amazonas enfrenta um gargalo: o estado ainda
não possui uma plataforma de cirurgia robótica, mesmo após anos de solicitação de
médicos e instituições.
“Belém já tem duas plataformas instaladas há mais de oito anos. E nós seguimos sem
nenhuma. É inadmissível que um estado com quatro milhões de habitantes não tenha esse
equipamento fundamental para o tratamento moderno do câncer de próstata”, afirma.
Para Cristiano, há mercado, há demanda e há urgência: falta decisão política e investimento estratégico.
A formação médica: excesso de faculdades e risco de queda de qualidade
Outro ponto que o médico aborda com preocupação é o aumento acelerado de faculdades de
medicina no Brasil. Para ele, o país vive uma explosão de oferta que não vem acompanhada
da garantia de qualidade, o que pode comprometer a formação de novos profissionais e,
consequentemente, a qualidade da assistência prestada.
“Estamos gerando muitos médicos, mas muitos com qualificação ruim. E isso impacta
diretamente a população, especialmente em áreas que exigem muito conhecimento técnico e
decisões precisas, como a urologia”, explica.
Embora a urologia seja uma especialidade que só pode ser alcançada após uma longa
formação, Cristiano defende que o sistema precisa ser rigoroso e preservado de pressões
econômicas que colocam no mercado profissionais ainda não preparados.
Atendimento ao jovem e mudança cultural: preparar a próxima geração
A prevenção não pode começar apenas aos 40 ou 50 anos. Para o médico, é preciso mudar o
fluxo tradicional da jornada masculina na saúde. Ele defende um modelo semelhante ao das
mulheres:
“Quando a adolescente recebe alta do pediatra, a mãe leva ao ginecologista. Com os homens
deveria ser igual. O jovem deveria ser levado ao urologista quando sai do pediatra, orientado
pelo pai. Essa é a tendência mundial.”
O acompanhamento precoce ajudaria a identificar:
– distúrbios do desenvolvimento genital;
– questões hormonais;
– infertilidade;
– hábitos de risco;
– histórico familiar de doenças urológicas.
Cristiano reforça que a cultura médica deve caminhar ao lado da cultura social, formando uma
geração que normaliza a ida ao urologista, sem preconceitos ou constrangimentos.
Câncer de próstata: o vilão silencioso
No Brasil, o câncer de próstata continua sendo o segundo tipo de câncer que mais mata
homens, atrás apenas do câncer de pulmão. A letalidade está associada ao diagnóstico tardio,
e Cristiano reforça o alerta:
“O câncer de próstata, no início, não dói para urinar. O jato é normal. Não tem sangue na urina.
Ele não acorda à noite. Ele pensa que está bem, mas já tem câncer.”
A diferença entre a cura e a perda de chance está no timing do diagnóstico. Um tumor
descoberto precocemente pode ser tratado com grande chance de cura. Um tumor
diagnosticado após sintomas já avançou demais.
A diferença brutal entre quem faz preventivo e quem procura ajuda com sintomas
O médico deixa claro:
– O homem que vai anualmente ao urologista tem enorme chance de diagnóstico precoce.
– O homem que só procura ajuda quando sente algo chega tarde demais.
Ele conta que a diferença, no consultório, é gritante. São dois perfis de paciente que vivem
realidades totalmente distintas, separadas por uma simples atitude: prevenir.
Essa lógica vale no consultório privado e no SUS, onde Cristiano também atua e observa o
mesmo padrão.
Ações que fazem a diferença: interiorização, campanhas e impacto social
Em 2025, Cristiano intensificou atividades externas. Esteve em Manacapuru em mutirões
presenciais, atendeu trabalhadores locais e ampliou o alcance de ações educativas. Ele
destaca que essas campanhas não resolvem todo o problema, mas ampliam horizontes e
inspiram novos agentes a participar.
É assim que iniciativas comunitárias ganham força. E é assim que a sociedade civil organizada
passa a colaborar com o que deveria ser política pública.
A homenagem e o reconhecimento: Medalha Grandes Amazônidas
A homenagem recebida pelo médico reforça o impacto de seu trabalho. A Medalha Grandes
Amazônidas é uma das mais importantes honrarias socioeconômicas da região. Em sua 13ª
edição, destacou personalidades que impulsionam desenvolvimento social, cultural e científico
na Amazônia.
No campo da saúde, o nome escolhido foi o de Cristiano Paiva, pela sua contribuição ao
avanço da medicina urológica no estado e pela ampla atuação para reduzir desigualdades de
acesso ao tratamento.
Sem prevenção, não há futuro
O médico encerra a entrevista com uma mensagem direta:
“Não perca a oportunidade de fazer sua consulta. Ela pode salvar sua vida.”
Num estado onde o acesso ainda é desigual, onde faltam urologistas, onde a cirurgia robótica
permanece como um sonho e onde o homem insiste em deixar o próprio corpo em segundo
plano, o Novembro Azul é mais do que uma campanha, é uma urgência coletiva.
O Amazonas precisa, de forma urgente, de políticas específicas, programas permanentes,
ampliação do acesso e fortalecimento da educação em saúde masculina. Mas também precisa
de vozes e lideranças que, como o Dr. Cristiano Paiva, colocam a prevenção no centro da
discussão e criam impacto real, mesmo diante de obstáculos.
Prevenir não é apenas evitar uma doença. É garantir anos de vida, qualidade, presença,
responsabilidade. Consigo mesmo e com quem se ama. Prevenir é, sobretudo, romper o ciclo
histórico do descuido masculino e construir um futuro em que longevidade e saúde sejam uma
escolha acessível a todos.

