Manaus (AM) – Seja prestando um serviço à população ou denunciando irregularidades mais complexas, os veículos de comunicações são fundamentais para declarar uma mudança social e política na sociedade. Nesse cenário – muitas vezes conturbado – a liberdade de imprensa é algo que parece distante em um país que, constantemente, se depara com a disseminação de fake news, que desencadeia atos de violência contra a imprensa.
Instituído em 20 de dezembro de 1993, por meio de uma decisão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), neste ano completam-se 30 anos da criação do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
Em entrevista ao Vanguarda do Norte, o jornalista, professor e mestre em Ciências da Comunicação, Helder Mourão, frisou a importância da data para o funcionamento de uma civilização e relembrou o uso da expressão “quarto poder”, utilizada para declarar que o jornalismo e os meios de comunicação de massa podem exercer determinada influência sobre a sociedade.
“A imprensa é o ‘cão de guarda’ da sociedade, ela vigia os poderes e por isso é chamada de quarto poder. Nós precisamos discutir, falar sempre e mantê-la, porque a liberdade de imprensa é uma conquista diária e é algo que nós temos que estar todo dia lembrando dela. Nesse mundo de fake news, de pós-verdade, e de todos os problemas que a gente vem encarando nos últimos tempos, a liberdade de expressão ela é uma conquista diária para nós jornalistas, professores de jornalismo e para a sociedade como um todo”, pontuou.
De acordo com Helder, o primeiro benefício de uma liberdade de imprensa diz respeito à informação correta correndo na sociedade. Além disso, o mestre também classifica a relação entre democracia e a liberdade de imprensa como uma “relação dupla”, onde uma é um suporte da outra.
“As pessoas estão ocupadas trabalhando muito e é preciso que exista um sistema de comunicação profissional, que é o jornalismo, que passa as informações para as pessoas e, com isso, a nossa vida consegue correr de forma correta. A liberdade de imprensa garante a democracia e a democracia garante a liberdade de imprensa. É preciso que a nossa sociedade se reconheça como uma sociedade democrática que precisa de um jornalismo profissional produzido por profissionais. Além do mais, é necessário que as pessoas compreendam isso e é dever de cada um compreender a diferença entre um trabalho profissional ou amador. Esse padrão de civilização garante a liberdade de imprensa e faz com que as pessoas, nas suas vidas diárias, entendam como a imprensa é necessária para a sua vida cotidiana”,
comentou.
Assim como Mourão, o cientista político Carlos Santiago, frisou que a liberdade de imprensa é um item fundamental para o exercício da democracia.
“Não existe democracia sem a plena liberdade de imprensa. No regime democrático de imprensa livre, garantidor de todas as formas de liberdade de expressão, a imprensa é fundamental para a cidadania e para o fortalecimento das instituições do Estado, e também para se combater notícias falsas, que acabam agredindo o Estado democrático de direito. A democracia se faz também pelos princípios de liberdade e também pela defesa da verdade”,
esclarece o cientista político.
Santiago destaca ainda, que a liberdade de imprensa é um dos pilares da democracia brasileira e que, sem ela, não existe cidadania ou fiscalização contra quem detém o poder constituído.
“Sem a imprensa livre, não tem como existir evolução e o diálogo entre pessoas. A liberdade de imprensa é fundamental para a democracia, para a melhoria da qualidade dos serviços oferecidos à população. É importante na educação, na cidadania e, acima de tudo, para o crescimento social e econômico do país. A imprensa, livre com todas as suas expressões, é importante, até mesmo para combater os males da democracia, o ódio e a intolerância. A imprensa livre é a garantia do crescimento humano”,
disse.
Liberdade não é libertinagem
Acerca da temática, o sociólogo, analista político, advogado e membro da Academia de Letras e Culturas da Amazônia (Alcama), Helso Ribeiro apresentou um comparativo às democracias que geraram desenvolvimento pleno para os países, como o Canadá, Estados Unidos e toda a Europa.
Além disso, aproveitou a oportunidade para pontuar as diferenças entre “liberdade” e “libertinagem”.
Relembrou ainda: “Se você pegar a história brasileira, inclusive, você vai ver que não tem 50 anos, nós estávamos amordaçados. Era comum nos jornais você ver receita de bolo para cobrir uma notícia que tinha sido censurada apenas porque incomodava o detentor do poder. Estou falando sobre a Ditadura Militar, que foi de 1964 a 1985. Então, vejo que não dá para você desenvolver plenamente um país nas trevas, visto que a imprensa traz a luz do sol para notícias que às vezes são desconfortáveis. É uma data que não pode ser esquecida e tem que ser enaltecida”.
Brasil no ranking da Liberdade de Imprensa
No último dia 3 de maio foi lançada a 21ª edição do Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa compilado pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que avalia as condições do jornalismo em 180 países e territórios.
Conforme o levantamento, a situação é “muito grave” em 31 países, “difícil” em 42 e “problemática” em 55, sendo “boa” ou “relativamente boa” em 52 países.
De acordo com o RSF, o Brasil, que está na 92º posição, subiu 18 posições em decorrência da saída de Jair Bolsonaro, cujo mandato foi marcado por uma forte hostilidade contra jornalistas, e ao retorno de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, trazendo uma promessa de melhoria.
“Nos últimos cinco anos houve uma tentativa de intimidação da imprensa no Brasil. A gente espera que isso não ocorra mais, ainda que existam informações e notícias desconfortáveis para determinadas pessoas, é necessário saber que é o papel da imprensa investigar, informar e nem sempre dar aquela notícia que o detentor da informação gostaria de ler ou gostaria de ter”,
explicou o cientista político.
O mestre em Ciências da Comunicação, Helder Mourão, também complementou a fala e apontou a notoriedade da melhora no trabalho jornalístico nos dias de hoje.
“Mesmo pouco tempo após o governo Bolsonaro, nós já temos dados e índices que mostram que houve uma melhoria. A primeira é que a Praça dos Três Poderes voltou a ser aberta para os meios de comunicação. É dever do Estado e dos governos deixar com que a imprensa possa trabalhar livremente. O que não acontecia no governo Bolsonaro, visto que as informações eram fechadas, não havia acesso e havia dificuldade de deixar a impresa trabalhar. Estamos passando por uma melhoria e isso é fundamental, inclusive, é constitucional. Um dos princípios norteadores do estado brasileiro e da constituição é o princípio da publicidade e a imprensa é o principal veículo que vai fornecer a publicidade dos fatos, dos atos, dos acontecimentos, da legislação e do que é executado dentro do governo”, analisou.
O que os políticos dizem
Em um pronunciamento feito ainda na última quarta-feira (03), o senador Plínio Valério (PSDB-AM) ressaltou que a data marca o direito de todos os profissionais da mídia de investigar e publicar informações de forma livre, além de alertar sobre crimes cometidos contra centenas de jornalistas que são torturados e assassinados como consequência de perseguições.
“É um direito básico e inerente às formações sociais livres não constituem concessão estatal ou uma benesse do estado, mas representa sim um valor inestimável da cidadania, que tem o direito de receber informações dos meios de comunicação social. É um direito que não se pode suprimir ou tentar reduzir e inclui o direito de buscar informações, expressar opiniões e divulgá-las sem qualquer restrição em clima de plena liberdade. Hoje, mesmo em países ditos como democráticos, caso do Brasil, acompanho iniciativas liberticidas que não podem e não devem prosperar. A liberdade de expressão e de imprensa são condições para a liberdade de todo ser humano. Os peixes precisam da água para viver, as aves do ar e nós, seres humanos, precisamos de liberdade”,
discursou.
Dia Mundial da Liberdade de Imprensa na ONU
Para marcar a data e em comemoração ao 30º aniversário do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a Agência das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) organizou evento de aniversário na sede da ONU em Nova York.
O tema escolhido é “Moldando um futuro de direitos: a liberdade de expressão como um motor para todos os outros direitos humanos”.
Em seu discurso, o secretário-geral da ONU, António Guterres, apontou que “jornalistas independentes e liberdade de imprensa estão sob ataque”: