Com 26 anos de atuação em Manaus, a Associação de Amigos dos Autistas do Amazonas (AMA) promove assistência social, saúde e educação à comunidade com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Diferentemente de outras instituições, a AMA inclui o atendimento à adultos e pessoas com autismo severo (grau 3).
A associação foi fundada em 29 de maio de 1997, como iniciativa de pais e amigos de pessoas com TEA que sentiram a necessidade de organização em torno da causa. Desde então, estruturaram um corpo administrativo e terapêutico para atender crianças, adolescentes e adultos de forma a minimizar a ausência de serviços psicológicos, pedagógicos e sociais.
Selma de Jesus, de 55 anos, é a atual presidente da AMA, está no terceiro e último ano de mandato, mas integra a associação há 17 anos, por conta do filho que tem 32. Ela conta que sente muita gratidão por ver a melhora dos beneficiados, por meio de um “trabalho de formiga”.
“Na AMA, nossos meninos chegam comprometidos. Com as terapias, fazem um trabalho de formiga, que não é rápido. Há uma mudança na sociedade, hoje é mais falado, meu filho tem 32 anos então, antigamente, era mais difícil. O acesso às informações vai crescendo, as pessoas com autismo perdem a vergonha de sair de casa, então vejo uma evolução significativa”, conta a presidente.
Selma explica que a gratuidade e a extensão do assistencialismo aos adultos com TEA são o diferencial da associação. Apesar destes pontos positivos, afirma que não têm condições de suprir a demanda por atendimentos e que deveria haver mais instituições gratuitas em Manaus.
“Só nós não damos conta de atender, suportamos apenas o mínimo. E apenas nós atendemos adultos e nível 3. Como aqui é pequeno e não conseguimos atender mais pessoas, procuramos fazer o máximo que podemos, porque o que mais vejo são famílias carentes que, por muitas vezes, não conseguem nem pagar o ônibus para vir até aqui”, revela a gestora.
Autismo e o processo terapêutico
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), o autismo é um transtorno de desenvolvimento que geralmente aparece nos três primeiros anos de vida. É definido pela presença de “déficits persistentes na comunicação e interação social em múltiplos contextos, atualmente ou por história prévia”.
O autismo, assim como a Síndrome de Asperger, foi incorporado a um novo termo médico e englobador, chamado de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Portanto, com essa nova definição, a Síndrome de Asperger passa a ser considerada uma forma mais branda de autismo, que é diagnosticado em graus de comprometimento, de um a três.
“O TEA é multifatorial, então é muito complexo. Cada um deles tem uma demanda diferente, então temos que entender como é o funcionamento individual para trazer atividades adequadas, o que chamamos de tecnologias assistivas, atividades e materiais adaptados a cada um deles. É de suma importância que façamos isso, porque estamos falando de um transtorno que tem variações clínicas, num espectro”, explica Darquiel Nunes, de 40 anos, especialista em Psicopedagogia, Educação Inclusiva e Neuropsicologia que atua na AMA.
Apesar dos avanços, o autismo continua sendo um distúrbio difícil para as pessoas acometidas e as famílias delas. No entanto, hoje, com o tratamento correto, muitos dos sintomas podem melhorar, mesmo que algumas pessoas permaneçam com o diagnóstico durante toda a vida.
“Atendo crianças em outra instituição e na AMA, pessoas adultas. Acho muito gratificante o trabalho que faço aqui, porque a gente trabalha com um público que está à margem de todos os processos de cuidado terapêutico. É muito fantástico ver a evolução deles, não canso de ver e ficar emocionado. Trabalho com crianças pequenas, mas estes são adultos e cada evolução é gratificante. Isso é maravilhoso e sou muito apaixonado pelo que eu faço”, completa o terapeuta Darquiel Nunes.
A perspectiva depende da gravidade do autismo e do nível de tratamento e atenção que a pessoa recebe, que é imprescindível nos primeiros anos de vida. Dentre as alternativas de tratamento, estão a psicoterapia tradicional, a fonoaudiologia e as terapias alternativas, como a musicoterapia, promovida na associação por Carlos Henrique Lima, de 31 anos.
Ele conta que, pelo aspecto inclusivo, adapta as aulas de música tradicionais para algo que seja confortável e prazeroso. Carlos Lima destaca que um dos pontos que ajuda no desenvolvimento das pessoas com TEA é a associação entre as sonoridades e as memórias afetivas que elas evocam.
Tem muitos beneficiados que, quando entram na sala, se transformam. A música traz a sociabilidade, alguns gostam de ficar na deles, sem companhia, mas aqui trabalhamos a questão social. Às vezes, fazemos terapia com dois, três e até uma roda. Sem dizer o que é o certo ou errado, apenas o que faz a pessoa se sentir bem, incluída, sem que eu chegue aqui, dê um instrumento e ensine a tocar, para depois dizer que não conseguem. Estamos aqui para incluir realmente”, explica o terapeuta.
Rede de apoio e manutenção financeira
As terapias são primordiais para lidar com os sintomas e diminuir os níveis de comprometimento pelo transtorno, assim como pelas comorbidades associadas a ele. Mas procurar ajuda de outras famílias que tenham parentes com autismo e de profissionais que deem o suporte necessário aos parentes também é uma alternativa que traz bons resultados.
Um dos pilares para a fundação da AMA é justamente o estabelecimento de uma rede de apoio não só para as pessoas com TEA, como também para os familiares. Raimara Frota, assistente social da associação, conta que muitos dos pais, uma vez no papel também de cuidadores, fazem faculdades nas áreas que possam ajudar a lidar com a questão do autismo.
“Muitas famílias tiveram progresso porque tiveram esse apoio da AMA. Muitos pais fazem ensino superior, enquanto os filhos estão aqui, para poder lidar melhor com a causa. [O autismo] é muito específico, eles têm suas particularidades. A luta é diária desses pais, a gente fica com os beneficiados durante o dia e eles relatam que são respiros, porque demandam atenção 24h”, conta a assistente social.
Raimara Frota afirma ainda que a associação ainda lida com reflexos negativos da pandemia da Covid-19, para os beneficiados e para os pais. A crise de saúde relacionada ao novo coronavírus obrigou o isolamento social e, consequentemente, uma quebra na rotina das pessoas com TEA, o que é grave.
“Ainda estamos com casos de pacientes que regrediram muito durante a pandemia. Vemos o sofrimento dos pais com a rotina de isolamento, fez muito mal. Alguns [beneficiados] não vão para outro lugar, apenas para cá, aqui é a segunda casa deles, onde fazem atividades, socializam. Quando chegam na idade adulta não tem escola, faculdade. O nível às vezes não permite, porque muitos deles têm outras comorbidades associadas e as instituições não estão preparadas para lidar com isso”, explica Frota.
Atualmente a AMA atende mais de 50 integrantes, de crianças a homens de quase 60 anos. Por tratar-se de uma instituição sem fins lucrativos, depende de doações de colaboradores e editais estaduais e municipais que ajudem na autonomia financeira, bem como na continuidade da oferta dos serviços que cumpram os direitos conferidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para além das despesas com a estrutura do local, que fica localizado no bairro Tarumã, zona oeste da capital, a AMA também gasta com serviços externos. “Ajudamos outras pessoas que não conseguem vir à AMA, por conta do nível severo, e fazemos o acompanhamento assistencial nas casas deles para tentar levar melhor qualidade de vida, para não serem privados do básico”, conta a assistente social.
“Conseguimos nos manter por meio de editais, que infelizmente não suprem as necessidades. A maioria dos nossos projetos são para pagar a folha [de pagamento]. A questão financeira é a principal dificuldade, temos muito usários que necessitam de auxílios. Temos um local alugado, então todos os investimentos ficam para o imóvel, não para nós. Queremos um lugar para comportar todas as terapias e as residências assistidas, precisamos estar preparados para o público adulto, que está crescendo”, completa Raimara Frota.
Arrecadações
Uma das formas de contribuir com a manutenção financeira da associação é por meio da contribuição pelos programas Nota Fiscal Amazonense e Nota Premiada Manaus. A AMA também conta uma loja itinerante, com pais e conhecidos que atuam como contribuintes.
“É importante que faça o cadastro nos sites, se não, não é possível participar. Escolhe a AMA, que nós temos sorte. Tem ajudado muito e quase toda vez, a AMA é contemplada, as pessoas sempre relatam que ganham com nosso nome. É importante porque é uma doação sem colocar a mão no bolso”, explica a assistente social.
Além desta contribuição fiscal, a associação utiliza ainda campanhas de arrecadação, como a Feijoada dos Autistas, marcada para o dia 26 de agosto. A feijoada beneficente acontece na rua do Comércio, número 1003, bairro Parque 10 de Novembro, zona centro-sul de Manaus. Os valores variam de R$ 35, para crianças de dois a dez anos, a R$ 70, neste caso para adultos.
Vale ressaltar que as contribuições auxiliam no funcionamento autônomo da instituição, que segundo a presidente Selma de Jesus, “nasceu através de pais, por conta dos filhos. Nesse intuito, sempre foi gratuita, que é o que falta em Manaus”, afirma.
Carteira de Identificação
O Governo do Amazonas emite Carteira de Identificação para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea) válida para todo o Brasil, por meio da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc). A carteira é um direito de acordo com a Lei Estadual n° 5.403/21.
O serviço garante aos autistas do Amazonas o atendimento prioritário em todos os segmentos dos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social.
A emissão acontece desde janeiro de 2020, mas só de 2021 a abril deste ano, a pasta entregou mais de 2.620 carteiras. Jussara Pedrosa, secretária titular da Sejusc, reforça a importância da emissão das carteiras para a população garantir seus direitos.
“No dia a dia muitas pessoas não conseguem perceber uma Pessoa com Deficiência se não for física ou explícita, no caso do TEA é similar, por isso auxiliamos com a emissão do Ciptea, pois assim as pessoas possuem um documento de identificação oficial, válido para todo o país, e garantem seus direitos”, afirma a secretária.
Para solicitar a carteira, é necessário baixar o aplicativo SASI, disponível para Android e IOS. Após baixar, o usuário insere o código “SPCDAM” e preenche o cadastro. Para solicitar a carteira Ciptea, o usuário precisa de uma foto 3×4 atual e documentos como Registro Geral (RG) e CPF, comprovante de residência, descrições do médico que acompanha pelo sistema do SUS, laudo médico, com a classificação Internacional de Doenças (CID) e tipagem sanguínea. Do responsável, é necessário RG, CPF, e-mail e telefone.
Após aprovada a solicitação, o usuário é notificado pelo aplicativo para ir a sede da Secretaria Executiva da Pessoa com Deficiência (SePcD), localizada na rua Salvador, 456, bairro Adrianópolis, para realizar a coleta digital ou assinatura para a carteira. Com a aprovação dos dados, a carteira tem um prazo de no mínimo 15 dias para ser emitida, com entrega na sede da SePcD.