O tráfico de mulheres e crianças é um dos problemas internacionais que mais movimenta dinheiro de forma criminosa no mundo. Conforme dados divulgados pelo Escritório das Nações Unidas para as Drogas e o Crime (UNODC), cerca de 80% das vítimas de tráfico humano para exploração sexual são meninas e mulheres. Como indicador, apenas em 2016, foram registradas pela Polícia Federal (PF) cerca de 10 vítimas de tráfico humano para exploração sexual, todas mulheres.
No contexto mundial, o Brasil é conhecido como um país de origem, trânsito e destino de pessoas traficadas, se mantendo presente em todas as frentes deste mercado criminoso. As brasileiras são levadas, habitualmente, para o oeste europeu e para a China. Além das mulheres adultas, outra parcela da população também é um alvo deste mercado, colocando em risco crianças e adolescentes espalhadas por todo o Brasil. Além disso, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente no território brasileiro. Esse número pode ser ainda maior, visto que apenas sete em cada 100 casos são denunciados.
O Dia Internacional Contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças é celebrado neste sábado, 23 de setembro, desde 1999, data que marca o momento em que os países participantes da Conferência Mundial de Coligação contra o Tráfico de Mulheres escolheram a data, partir da promulgação da Lei Palácios, há 95 anos, exatamente no dia 23 de setembro de 1913, na Argentina. A lei foi criada para punir quem promovesse ou facilitasse a prostituição e a corrupção de menores de idade, e também inspirou outros países a protegerem sua população, sobretudo, mulheres e crianças, contra a exploração sexual e o tráfico de pessoas.
Um levantamento de 2009, publicado pelo Repórter Brasil, mostra que em pouco mais de cinco anos, o disque-denúncia contra exploração sexual registrou 14 mil denúncias na Amazônia Legal. A região é também a principal rota do tráfico de mulheres no país.
Conhecida em Manaus pelo combate aos crimes praticados contra as mulheres, além de ser uma grande defensora dos seus direitos, a titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher (DECCM), delegada Débora Cristina Pereira Mafra, concedeu uma entrevista exclusiva ao Vanguarda do Norte para falar um pouco sobre a importância da data para o Brasil.
“É bom ter um dia assim para conscientizar nossa população, principalmente as nossas mulheres para não caírem neste golpe. Porque o tráfico de pessoas não deixa de ser um golpe. Porque eles [criminosos] levam mulheres e adolescentes para serem exploradas sexualmente. Um dia como esse, portanto, traz muitas informações para que as famílias repassem às meninas para que não caiam nesse tipo de golpe, que geralmente termina muito mal”, destaca Mafra.
O tráfico de pessoas pode ser definido como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força, ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade, ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.
“Realmente é tentador a forma como é colocado o golpe para estas meninas. Dizem que vão ficar ricas, que vão mudar de vida e ter fama, mas, na verdade, não é nada disso. É importante ressaltar que o combate ao tráfico e exploração de mulheres se faz com educação. A educação é a chave de tudo. Uma palestra, por exemplo, faz com que a pessoa queira saber mais e possa se defender. Porque se você não tiver informações, não vai saber se defender. Então é bom que haja palestras em escolas, indústrias, conscientizando não somente as possíveis vítimas quanto os familiares destas”, frisa a delegada.
O tráfico de pessoas é umas das formas mais graves de violação dos direitos humanos, atingindo mundialmente milhares de vítimas. No decorrer da entrevista ao VDN, a delegada também comenta sobre o trabalho exercido pela Polícia Federal e demais instituições no combate a esses crimes.
“O tráfico internacional, interestadual e estadual, geralmente, é combatido pela Polícia Federal. Dentro do estado do Amazonas, de forma intermunicipal, a Polícia Civil atua investigando casos de pessoas desaparecidas, como é da competência da Delegacia Especializada em Ordem Política e Social (Deops) que, às vezes, chega no tráfico de mulheres. Muitas vezes, a Polícia Civil, por si só, já resolve. Mas em casos extremos tem que ser em conjunto com a PF. O tráfico de mulheres e a exploração sexual têm um quanto de pena e existem outros crimes anexos a estes. Então, geralmente, são penas altas e isso é necessário para inibir o comportamento desses agressores”, pontua a autoridade policial.
Trabalho da Sejusc
Para dar assistência a quem sofre com esses crimes, o Amazonas também conta com a Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc), por meio da Subsecretaria de Políticas Afirmativas para as Mulheres, local onde é feito um trabalho voltado para a parte de psicologia e assistência social com essas vítimas que chegam machucadas, não somente na integridade física, mas também psicológica.
“Essas vítimas precisam ter todo o amparo do Estado para conseguirem sobreviver, pois o que passaram foi muito traumático. Foram vítimas de um engodo, se afastaram dos familiares, foram espancadas e ficaram totalmente à mercê dos criminosos, servindo como escravas sexuais. Então quando elas conseguem ser resgatadas, e até o momento do resgate é traumático, é preciso ajuda do estado, que sim, tem dado toda essa força”, afirma a delegada.
Conforme a Mafra, a delegacia conta com dois canais de denúncia: o número 180, que serve para denúncias anônimas contra mulheres, seja o tráfico ou exploração sexual; e o 181, que funciona para qualquer tipo de crime. As denúncias são feitas de forma anônima.
“Então se você souber de algum caso de tráfico ou exploração sexual de mulheres e adolescentes, denuncie. As vezes acontece de a pessoa ser vizinha de um local onde há o cárcere de mulheres que podem ter sido sequestradas para a escravidão sexual. Denuncie. Não deixe para amanhã. Dê o endereço, todas as informações possíveis, que ninguém vai saber seu nome e nem sua identidade será revelada, mas estaremos salvando muitas mulheres”, ressaltou.
Complementou ainda: “O combate a esses crimes tem que ser diário. Tem que se falar às meninas para não acreditarem nas promessas e que irão sair daqui, terão fama e dinheiro, que vão voltar e comprar casa para os pais. Não conhecemos casos assim de sucesso, só conhecemos casos que terminaram muito mal”.
Representatividade na Aleam
Atualmente, presidindo a Comissão da Mulher, da Família e do Idoso da Casa, a Procuradora Especial da Mulher, da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), deputada estadual Alessandra Campelo (PSC) também conversou com a equipe de reportagem do VDN para falar sobre a importância da data e o que ela representa para a população amazonense.
“As datas alusivas servem para ser o dia em que o mundo inteiro, ou o país inteiro, chama atenção para determinado tema. É o momento de colocá-lo na mídia e em pauta, pois as pessoas precisam saber que a exploração sexual de crianças, adolescentes e mulheres, assim como o tráfico de mulheres, é algo que existe e é bem real. Precisamos que as pessoas estejam sabendo dos números, dos dados e que a sociedade se indigne com isso”, explica Campelo.
Destaque pela luta em defesa das mulheres, Alessandra Campelo também frisa sobre o trabalho desenvolvido em conjunto com outros órgãos em prol desta parcela da população.
“Aqui tem toda uma rede de combate à violência, e que trabalha a defesa dos direitos das mulheres e da criança. Temos o poder Executivo, Judiciário e Legislativo. A Assembleia e Procuradoria trabalham em conjunto com o Ministério Público, Defensoria Pública e outros poderes. A gente tem também, agora, um trabalho em conjunto com o Fundo das Nações Unidas para a Infância, a Unicef, visando combater, principalmente, a exploração sexual de crianças e adolescentes. Nós fizemos um trabalho muito importante no Festival de Parintins contra a exploração sexual de crianças, que, muitas vezes, acontece por parte de turistas e outras pessoas que frequentam esses grandes eventos. Criamos um protocolo que a Unicef vai trabalhar em todo o mundo nesses grandes eventos. Além disso, a gente tem trabalhado com campanhas permanentes aqui em Manaus”, conclui a deputada.
*Colaboração: Gerson Silva