A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) recomendou ao Senado Federal, nesta terça-feira (7), a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar possíveis abusos cometidos durante operações da Polícia Federal (PF) e de outros órgãos contra o garimpo ilegal na calha do Rio Madeira, no Sul do Amazonas.
De acordo com o documento encaminhado aos senadores, as ações iniciadas em 15 de setembro de 2025 teriam causado “graves impactos humanitários” e colocado em risco mais de 25 mil pessoas, entre elas crianças, mulheres, idosos e povos tradicionais.
A DPE-AM afirma que recebeu diversos relatos de famílias ribeirinhas denunciando destruição de moradias, barcos, motores e alimentos — bens considerados essenciais para a sobrevivência na região. O órgão alega que a operação federal tem provocado situações de extrema vulnerabilidade e pede que o Senado apure possíveis excessos de força e violações de direitos fundamentais.
“Há indícios de que os procedimentos adotados extrapolaram os limites legais e geraram danos irreversíveis a grupos vulneráveis que dependem do rio e da floresta para sobreviver”, diz um trecho da recomendação.
A Defensoria reforça que, embora reconheça a importância do combate à mineração ilegal, “não se combate ilegalidade com ilegalidade” e que as ações do Estado devem ocorrer dentro dos princípios da legalidade, proporcionalidade e respeito aos direitos humanos.
O imprensa entrou em contato com a Polícia Federal para um posicionamento sobre a recomendação da Defensoria Pública, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
Operações com explosivos e destruição de embarcações
As operações federais na calha do Rio Madeira, entre os municípios de Humaitá e Manicoré, têm incluído o uso de explosivos para destruir balsas e dragas usadas na extração ilegal de ouro.
Segundo a Defensoria, o impacto ambiental e social dessas ações é severo: o vazamento de combustível e a destruição de embarcações têm comprometido a pesca, o transporte fluvial e a alimentação de comunidades inteiras.
Em alguns casos, famílias relataram ter perdido o único meio de subsistência e o local onde viviam. A DPE-AM afirma estar prestando atendimento jurídico emergencial às famílias e cobrando medidas de reparação e assistência humanitária.
Balanço sem plano de mitigação
O documento cita informações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério Público Federal (MPF), que acompanham as ações. O balanço aponta a destruição de dezenas de embarcações e equipamentos, mas, segundo a Defensoria, não há registros de planos de mitigação ou apoio às famílias afetadas.
A instituição argumenta que a ausência de medidas compensatórias agrava o quadro de insegurança alimentar e desabrigo, e defende que o combate ao crime ambiental seja acompanhado de políticas sociais que garantam o mínimo existencial das comunidades atingidas.
Visitas e relatos em campo
Integrantes do Grupo de Trabalho Teko Porã – Vida Digna, da Defensoria, estiveram entre os dias 22 e 24 de setembro em Humaitá e comunidades próximas, onde ouviram relatos de famílias que perderam barcos e casas. Os defensores informaram que o órgão segue acompanhando de perto a situação, com o objetivo de assegurar o direito à moradia e à vida das populações tradicionais.
Na recomendação, a DPE-AM pede que o Senado adote medidas imediatas de proteção e reparação às famílias e que o governo federal apresente um plano de apoio social e humanitário para os atingidos.
“A Defensoria Pública não se opõe às ações de fiscalização, mas exige que elas respeitem os direitos fundamentais das pessoas que vivem da floresta e do rio. O combate à ilegalidade deve andar lado a lado com a proteção da vida”, conclui o documento.