Em 1980, o dia 10 de outubro foi reconhecido como o Dia Nacional de Combate à Violência contra a Mulher no Brasil. Esse movimento teve início na cidade de São Paulo, onde mulheres se reuniram nas escadarias do Teatro Municipal para protestar contra o aumento dos crimes de gênero no Brasil.
Desde então, a legislação passou por alterações significativas para proteger as mulheres vítimas de violência. A Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006) completou 17 anos em 2023 e foi alvo de várias modificações, com o objetivo de fortalecer o combate aos abusos, agressões e crimes motivados pela discriminação de gênero. Além disso, a Lei do Feminicídio (13.104/2015) estabelece agravantes para o crime de homicídio e classifica o feminicídio como hediondo.
Titular da Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher (DECCM), a delegada Débora Mafra destaca a importância de datas alusivas como esta, que colocam os holofotes em questões cotidianamente deixadas de lado pela esfera pública. Ela aponta que além das ações punitivas, a data é relevante por conta do caráter informativo.
“Muitas pessoas já normalizaram a violência de tal forma que acha que, quando gritam com a mulher, não é violência. Perturba aquela mulher, ameaça, persegue, não é violência. Acham também que o corpo da mulher está à disposição o tempo todo e na verdade, não é assim. Acham que não tem necessidade de ter patrimônio próprio, correr atrás da carreira e pensam que a violência é somente a física. Na verdade, esses outros quatro tipos (moral, psicológica, patrimonial e sexual) são violências também e nós temos que conscientizar a sociedade”, argumenta a delegada.
Dados de violência contra a mulher
Atualmente, a violência contra as mulheres continua sendo uma realidade que impacta negativamente a sociedade. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil possui a quinta maior taxa de feminicídios do mundo, com 4,8 casos para cada 100 mil mulheres.
De fato, a violência contra a mulher é um problema atual não só Amazonas, mas do Brasil como um todo. Os índices cresceram, segundo dados de 2022, de acordo com o relatório “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil” e com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Apesar da redução no índice de homicídios com vítimas mulheres no Amazonas, segundo divulgado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM), as tentativas de feminicídio aumentaram 23,8%.
A titular da DECCM, instituição que atende aproximadamente 60 mulheres por dia, afirma que o período de maior aumento no número de casos em Manaus aconteceu entre 2017 e 2018. Apesar dos números alarmantes, a delegada Débora Mafra afirma que ainda há uma subnotificação nos casos de violência contra a mulher, especialmente porque a maioria dos casos acontece no âmbito familiar.
“A maioria das vítimas que nós temos aqui em Manaus, no Brasil, no Amazonas, são mulheres que morreram em feminicídio, mas nunca denunciaram seu agressor. A gente percebeu que, quando a mulher denuncia, ela tem uma probabilidade muito menor de morrer na mão daquele homem. Essa é a nossa campanha: tirar a mulher de dentro de casa, fazendo ela denunciar. Começaram a ter muitas denúncias, mas é um número alto e estável, ao mesmo tempo positivo. São mulheres que estão trazendo para que a Polícia Civil resolva esse problema de uma vez por todas”, conta Mafra.
De forma geral, os feminicídios aumentaram 6,1% em ano passado no país, resultando em 1.437 mulheres mortas por serem mulheres. Os casos de violência doméstica também cresceram consideravelmente, de 1.917 em 2021 para 3.178 ano passado no Brasil, o que representa alta de 92%. Os números que representam as ameaças às mulheres (64,4%), stalking (88,1%) e violência psicológica (45%) também seguem tendência de alta, segundo o anuário.
Os homicídios dolosos de mulheres também cresceram (1,2%). Além dos crimes contra a vida, as agressões em contexto de violência doméstica tiveram aumento de 2,9% As ameaças cresceram 7,2% e os acionamentos ao 190 chegaram a 899.485 ligações, o que significa uma média de 102 acionamentos por hora.
Em 2022, os homicídios femininos também mostraram crescimento, chegando a 4.034 vítimas (aumento de 1,2% em relação a 2021). No país, 35,6% dos assassinatos de mulheres foram classificados como feminicídios e a maior proporção deu-se no Distrito Federal, mas foi no estado de Rondônia onde se constatou as maiores taxas do país, tanto a de feminicídios (3,1 vítimas por 100 mil habitantes), quanto a de homicídios femininos (11,2).
“Interessante que nós conquistamos tantas coisas, a gente pode ter a profissão que a gente quiser, ir aonde quiser, conseguimos votar, mas dentro de casa ainda não temos paz. Muitas ainda estão presas no ciclo da violência doméstica, onde a própria vítima acaba dando desculpas para as violências e agressividades do companheiro. Até um dia que, aqui no Brasil segundo estudos em média de dez anos, a mulher denuncia. Esse tempo é muito grande, essa demora faz ter o feminicídio, que muitas vezes pela educação que teve desde criança, a gente não consegue se aceitar como vítima de violência”, completa Débora Mafra.
Ações e incentivo à denúncias
Em Manaus, a Polícia Civil conta com três delegacias especializadas em crimes contra a mulher. A DECCM centro-sul está localizada na avenida Mário Ypiranga, bairro Parque Dez de Novembro; a norte/leste, na avenida Nossa Senhora da Conceição, bairro Cidade de Deus; e a sul/oeste, na rua Desembargador Filismino Soares, bairro Colônia Oliveira Machado. No interior do estado, atuam as Delegacias Especializadas de Polícia (DEPs), presentes nos municípios-polo.
Além das ações das delegacias das DECCM, é possível denunciar crimes contra mulheres por meio da central anônima 180, que funciona inclusive 24h no aplicativo WhatsApp, bem como pela central 190. Débora Mafra, que é titular da unidade centro-sul, afirma que o calendário brasileiro tem duas datas principais para intensificação de ações de combate à violência contra a mulher, mas as ações da DECCM são constantes e, neste mês de outubro, têm como foco iniciativas preventivas e informativas.
“Nós não queremos falar com o sexo feminino, mas sim com o masculino, para eles saberem que não é com violência que você resolve as coisas, então esse é o nosso carro-chefe. Temos também o [programa] Justiça Itinerante no nosso pátio, que vem trazer uma pacificação social por meio da Justiça. Os casais podem se divorciar, resolver separação de corpos, dissolução da união estável, pensão, guarda, direito de visita, tudo isso de uma maneira mais rápida. Você vem no ônibus que não tem fila, é bem tranquilo, no ar-condicionado e ali começa essa ação da família, para que haja uma pacificação”, relata a delegada.
Mafra afirma ainda que não devem acontecer grandes operações policiais em 2023, como a “Shamar”, mais recentemente. Coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), com respaldo do Ministério das Mulheres e sob a liderança do Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário Brasileiro (Cocevid), a operação teve como saldo a assistência a 86.224 vítimas e a detenção de 8.424 indivíduos em todo o território brasileiro.
No Amazonas, a “Shamar” aconteceu em Manaus e outros 16 municípios, alcançou mais de 23 mil pessoas com ações educativas, teve 1.843 vítimas atendidas, 552 medidas protetivas de urgência solicitadas e 694 inquéritos policiais instaurados para investigação, com o resultado da prisão de 82 suspeitos. Por mais importante que seja a esfera punitiva, as ações educativas ainda são primordiais para a resolução do problema e a denúncia segue como o principal foco do Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher.
“Hoje temos uma lei que ampara totalmente as mulheres, fazendo com que possam denunciar em segurança, onde entram por meio da delegacia da mulher, numa rede de apoio. Essa rede é muito grande, consta várias pessoas para ajudar. Nós temos serviço psicológico, assistencial, o alerta mulher, casa abrigo, também o Ronda Maria da Penha, fazendo visitas e fiscalizando as medidas protetivas de urgência, temos cursos profissionalizantes e temos a Delegacia da Mulher, que faz todo o inquérito, solicita a medida protetiva e também faz as buscas e pertences pessoais. Hoje, não tem motivo para ficar em casa, a sua denúncia vale a sua vida, sempre pense nisso”, alerta Mafra.