Manaus (AM) – Ingressar na faculdade já é um grande desafio para alunos que acabam de sair do ensino médio, agora para aqueles alunos que iniciam a graduação na fase adulta e até mesmo na terceira idade, esses desafios tendem a ser muito maiores por vários motivos.
Entretanto o número de adultos e idosos iniciando a vida acadêmica tem se tornado cada vez mais comum, seja pelo desejo de mudar de carreira, adquirir novas habilidades ou simplesmente realizar um sonho antigo, que por alguma razão precisou ser deixado para depois.
Entre os desafios mais citados por esses universitários destacam-se a dificuldade em conciliar os estudos, trabalho e vida pessoal com a adaptação à rotina acadêmica.
Diferente do que foi visto há muito tempo na época do ensino médio, esses alunos se deparam também com cobranças mais intensas e conteúdos mais complexos dependendo do curso. Além disso, existe a adaptação no convívio com colegas com a idade mais nova.
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Início de um sonho
O comunicólogo, Joaquim Lucena, contou à reportagem sua trajetória acadêmica que iniciou após os 40 anos, com o curso de comunicação. Para ele os problemas financeiros são uns dos principais motivos para que as pessoas tardem a busca pelo ensino superior.
Além disso, Joaquim falou sobre concluir a segunda graduação aos 60 anos de idade, e que seus filhos foram seus maiores incentivadores.
“Comecei a estudar um pouco mais tarde, até porque como todos sabemos, para nós que viemos de uma classe baixa, é muito difícil conseguir fazer uma faculdade. Eu só consegui fazer essa faculdade já passando dos 40 anos”.
relata.
A segunda graduação de Joaquim iniciou aos 55 anos. Para ele foi um desafio prazeroso, o apoio dos filhos e da sua esposa fez toda a diferença. Agora ele almeja passar no exame da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) para assim, poder exercer a profissão.
“Concluí direito no último semestre de 2022. Para mim, foi muito prazeroso esse desafio, pois meus filhos e minha esposa me apoiaram muito. E hoje aos 60 anos sou formado em comunicação e sou formado também em direito, com muito orgulho, muita honra e muito sacrifício. Eu posso dizer que apesar de tudo Deus me abençoou fazendo com que eu, hoje, tenha duas faculdades. Vou batalhar e estudar esse ano para passar na Ordem e tirar minha carteira para ser de fato advogado”, falou.
Superando as dificuldades
Além do aspecto financeiro, outra grande dificuldade citada entre os universitários da fase adulta é a falta de tempo. A maioria já tem uma carreira consolidada e outras responsabilidades que ocupam grande parte de seu tempo e energia.
Diante disto, os universitários precisam buscar formas para não se sobrecarregarem e não desistirem do seu objetivo e, principalmente não afetar outros aspectos de sua vida.
Após uma longa trajetória de desafios, garra e conquistas, a empresária Glaucia Souza, de 46 anos conta que o fruto do seu trabalho de anos pôde proporcionar a ela o sonho entrar para uma faculdade e cursar direito. Embora ainda esteja descobrindo a área que pretende seguir, Gláucia tem a certeza que, com a nova profissão, ela poderá ajudar as pessoas com o seu senso de justiça.
“Eu quero fazer uma coisa em que eu possa ajudar. Estou pensando em defensoria pública, advogar mesmo, passar na Ordem. Pois desde muito nova tenho o senso de justiça, a minha essência sempre foi para o lado do direito, eu amo isso. Então antes eu não tinha condições financeiras, hoje eu tenho. Deus me colocou nesse caminho pra eu me realizar como pessoa, como mãe, como profissional, como tudo. Porque eu sei que mereço porque sou guerreira, corro atrás e sou consciente disso”,
explicou.
O preconceito na sala de aula
É muito comum que os adultos se sintam inseguros quando retornam aos estudos, diante de tantas dificuldades, eles ainda precisam enfrentar em alguns casos o preconceito. A empresária contou que já se sentiu em uma situação desagradável por conta de piadinhas de colegas da turma.
“Por incrível que pareça a gente sofre até bullying, estou há um mês no primeiro semestre de direito e na segunda semana eu me senti muito distante de algumas pessoas, num mundo diferente”.
relatou.
“Eu senti uma certa rejeição por parte dos mais novos e meia idade no grupo da sala, em termos de capacidade, pois eles são muito à frente, senti que faltou um pouco mais de empatia. Tive um certo medo, entretanto, sou o tipo de pessoa que enfrenta os medos, eu os transformo em desafio, e eu gosto de enfrentar desafios. Já passei tanta coisa na vida que eu tomo como desafio, então eu vou lá e mostro do que sou capaz”,
desabafou
Um vídeo que viralizou nos últimos dias nas redes sociais retratou o preconceito vivido por universitários da fase adulta em sala de aula. Nas imagens divulgadas, três alunas debocham de uma colega da turma identificada como Patrícia Linares que tem de 44 anos.
O motivo das chacotas foi a idade da mulher, pois para as alunas, a colega de turma deveria estar “aposentada”. Patrícia contou que chorou muito após tomar conhecimento do vídeo. O caso ocorreu em uma universidade particular, em Bauru (SP).
“Eu olhei para aquele vídeo e comecei a chorar. Foi um misto de emoções. Eu estava preocupada com o trabalho e, ao mesmo tempo, tinha acabado de ver aquele vídeo deprimente. Me abalou profundamente. A tristeza que me abateu foi muito grande. Eu chorei muito. Quando cheguei em casa, contei para o meu esposo o que tinha acontecido, mandei para as minhas irmãs e aí tudo começou a acontecer”,
conta.
A jornalista e Coordenadora do curso de Jornalismo da Universidade Nilton Lins, Cristina Magda, explicou que esse tipo de preconceito não é muito comum nas universidades. Para Cristina as principais dificuldades não estão ligadas à idade, elas se dão por conta dos problemas pessoais de cada pessoa.
“É difícil alguma pessoa desistir da graduação porque sofreu algum preconceito ou tá se achando mais velho que a turma. Aqui na instituição onde eu trabalho existem turmas plurais. Temos alunos de 20, 30, 40 e 50 anos que vivem em harmonia perfeita, então ao meu ver isso não é problema”,
explica.
Apesar das dificuldades que passam os universitários da fase adulta, há também as vantagens desse desafio. A maturidade pode ser um grande diferencial no ambiente acadêmico. Além disso, a experiência pessoal e profissional desses universitários pode enriquecer as discussões nos debates da sala de aula, agregando muito na vida de outros colegas.