A interferência nas gravuras rupestres do sítio arqueológico da Ponta das Lajes gerou revolta de ativistas indígenas e de parte da população nas redes sociais. O historiador Otoni Mesquita e a criadora da página “Manaus de Antigamente”, Gisella Braga, aparecem em fotos publicadas na última terça-feira (24) que mostram a aplicação de um pigmento nos petróglifos pré-colombianos, cuja existência é estimada entre mil e 2 mil anos.
O local, que fica na zona leste de Manaus, na margem esquerda do Rio Negro, tem atraído curiosos, entusiastas e pesquisadores desde que as imagens foram exposta, devido à maior seca da região em 121 anos.
Izabel Cristine, historiadora da etnia Munduruku que integra o Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam), criticou a interferência no local e pediu respeito “aos lugares sagrados para os povos indígenas”, afirma. “Se sentiram no direito de invadir e violar um lugar sagrado e a arte rupestre feita por nossos ancestrais. Povos que provavelmente foram dizimados”, completa.
A renomada líder indígena Vanda Ortega, da etnia Witoto, caracteriza a iniciativa como “práticas coloniais” e pede que o local seja reconhecido como patrimônio dos povos indígenas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que inclusive incluiu a Ponta das Lajes no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) em 1997.
“Essas pinturas são ancestrais, sagradas para nossos povos e as pessoas estão indo lá pintar com tinta aqueles desenhos, para fotografar, para fazer sabe Deus lá o quê. Queria pedir que as pessoas tivessem um pouco mais de consciência desse processo e respeitassem a cultura”, argumenta.
Posicionamento do Iphan
Diante da repercussão, o Iphan publicou uma nota oficial que destaca “que todos os bens arqueológicos pertencem à União, sendo que a legislação veda qualquer tipo de aproveitamento econômico de artefatos arqueológicos, assim como sua destruição e mutilação”.
O comunicado diz ainda que “para realização de pesquisas de campo e escavações, é preciso o envio prévio de projeto arqueológico ao Iphan, que avaliará e, só então, editará portaria de autorização. Assim, qualquer pesquisa interventiva realizada sem autorização do Iphan é ilegal e passível de punição nos temos da lei”, informa.
Para controlar o acesso ao sítio arqueológico e tentar impedir que as gravuras sejam danificadas, o instituto afirma que está em contato com a Polícia Federal, o Batalhão de Polícia Ambiental e a Secretaria Municipal de Segurança Pública, que deve fazer patrulhas no local.
“Outras providências estão sendo organizadas em um Plano Emergencial devido à estiagem, incluindo a instalação de um grupo de trabalho para gestão compartilhada do sítio, envolvendo diversos órgãos. […] Atualmente, está em execução um Plano de Ação cujo objetivo é pesquisar e cadastrar sítios arqueológicos no estado do Amazonas. Com isso, pretende-se produzir conhecimento sobre o Patrimônio Arqueológico da região amazônica, promovendo, ao mesmo tempo, ações educativas que, também, são uma forma de prevenir futuros prejuízos a esses bens”, completa o comunicado.
Esclarecimentos
O historiador Otoni Mesquita se pronunciou sobre o ocorrido. Por meio de um comunicado oficial, ele pede “sinceras desculpas” e argumenta que o processo de pigmentação é “bastante aplicado em intervenções arqueológicas para ressaltar traços de incisões”.
“O procedimento foi realizado com um pincel de pelo, aplicando caulim, uma argila natural de coloração branca. […] O caulim é um produto que não contém qualquer substância industrial e é inteiramente natural, sem aglutinante ou qualquer outro produto que possa intervir e agredir a obra. Assim, o caulim foi depositado no interior das incisões do desenho e logo depois foi imediatamente retirado com a água do próprio Rio Negro, após eu ter feito o registro fotográfico”, explica.
Mesquita afirma ainda que a busca pela documentação dos petróglifos parte de um interesse academicista e que o método de investigação “está dentro dos pressupostos de formação acadêmica”, com referência aos conhecimentos adquiridos no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na especialização em Conservação e Restauro, no Instituto Federal do Rio de Janeiro.
“Considerando a raridade do fato histórico e antevendo que se trate de uma oportunidade rara, procurei recursos técnicos para realizar o registro. Ciente de que se tratava de um procedimento que não causaria risco ou dano, nem se constituiria uma agressão ao bem artístico e cultural, eu tinha, portanto, a pretensão de ressaltar os atributos da obra primitiva”, completa.
O historiador pontua que, por conta das imagens publicadas na página “Manaus de Antigamente”, tem sido agredido verbalmente e desqualificado agressivamente. “São pessoas que não conheço e que me enviam seus comentários hostis. Sequer me pediram qualquer esclarecimento acerca do meu procedimento, me condenaram e estão promovendo meu lixamento moral, sem qualquer diálogo ou esclarecimento”, conta.