Manaus (AM) – O Dia Mundial da Água foi proclamado em 1992, pela Organização das Nações Unidas (ONU), para ser celebrada em 22 de março e tem por objetivo promover a conscientização sobre a relevância da água e ações para enfrentar a crise relacionadas a esse bem natural, como o saneamento e igarapés poluídos em Manaus.
Grande parte do lixo acumulado em igarapés e rios é resultado da urbanização sem planejamento em Manaus. Assim como todos os centros urbanos, a poluição de diversos igarapés, impactou diretamente na destruição das nascentes naturais e também gera problemas socias e de saúde.
Neste ano a campanha da ONU, que usa uma antiga fábula do povo Quéchua do Peru – onde um beija-flor carrega gotas de água para extinguir um grande incêndio – convoca a população a fazer parte da mudança e incentiva as pessoas a estarem presentes para ajudar a resolver a crise da água e do saneamento
Causa e consequência
De acordo com a engenheira ambiental Sabrina Paiva, que trabalha no Programa Social e Ambiental de Manaus e do Interior (Prosamin+), a poluição dos igarapés abrange diversos fatores e esferas até chegar no impacto ambiental e de transtorno para a população.
“A poluição do igarapé é o resultado de uma somatória de fatores e para entender essa somatória a gente tem que entender que acima de disso, o causador ou de onde se inicia, vem do poder público. Então numa esfera municipal, estadual e federal teremos várias leis e várias diretrizes que vão ditar como e onde deve-se construir”,
explica a engenheira ambiental.
Segundo Paiva, na esfera municipal a capital tem o Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb) que deve gerenciar o plano diretor urbano e de meio ambiente e das leis complementares com diretrizes e normas de onde pode e não pode ser moradia, além de orientar a maneira de como deve ocorrer a construção da edificação.
“As pessoas começam a morar sem prestar atenção e verificar a lei, então é um crescimento desordenado, sem zoneamento ambiental ou urbano e elas acabam indo para os igarapés ou próximo, porque são áreas que cortam a cidade inteira. Então, as pessoas acabam escolhendo zonas que mais se aproximam do Centro da Cidade ou próximo para construir as palafitas, essas casas que não são residências, são lugares onde elas podem habitar mas não é ideal”,
explica.
O crescimento urbano desordenado e em locais inadequados acabam por gerar consequências negativas para o meio ambiente, como a concentração de resíduos – objetos sólidos.
Os moradores desses locais, devido à falta de zoneamento urbano, acabam por construir as lixeiras viciadas, que são locais utilizados para despejar lixos domésticos (resíduos do banheiro e cozinha) e também móveis que não são mais utilizados, como cama, guarda roupa, sofá, máquina de lavar roupa e entre outros.
Conforme a engenheira ambiental, quando chove, os resíduos são levados para locais que ficam entupidos, deixando a drenagem da água inviável – que resulta em vias alagadas – ou a chuva acaba por carrear os resíduos para dentro dos igarapés, que tem suas galerias tampados pelo lixo e a água começa a subir e adentra as casas.
“Junto disso a gente tem vários problemas como os impactos ambientais voltados para a fauna e a flora, como a mata ciliar. No caso da flora e da fauna são as árvores que poderiam existir ali, que são habitats naturais para alguns macacos, pássaros, iguanas e diversos tipos de animais que vão ter que migrar para outro lugar porque o alimento que existia ali não vai ter mais”,
comenta.
Outro fator de impacto negativo apontado por Paiva são as doenças provenientes das águas poluídas e também de vetores como baratas e ratos que se afugentam nas casas não alagadas.
“A gente tem uma sobre lotação nesses tempos de chuva nos hospitais por conta da leptospirose ou disenteria por conta do consumo da água. Imagina a pessoa que está dentro do igarapé, ela possui seu encanamento por dentro do igarapé e que não possui cuidado”,
explica Paiva.
“Como no Prosamin+ a gente consegue verificar isso dia a dia. No vazamento de encanamento, nem sempre a água está sendo emitida, então em algum momento dentro daquele cano terá uma vazão menor e com isso, se ela está dentro do igarapé, a água vai acabar adentrando a canalização e de alguma forma vai chegar na casa daquela pessoa”,
completa.
Manutenção em igarapés
Também em conversa com o Vanguarda do Norte, o doutor em Biologia e Ecologia e pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Lucas Ferrante, comenta que o risco de emersão de novas doenças ou de vetores de doenças são um risco que pode ser esperado a longo prazo com a manutenção dos igarapés no estado atual.
“Os igarapés de Manaus possuem um alto grau de poluição e isso afeta toda a vida na capital amazonense. É necessário o aumento de políticas públicas de saneamento básico para superar este problema”,
comenta Ferrante.
Para o pesquisador da Ufam, a população tem um papel expressivo na cobrança para a atuação do poder público nas políticas públicas de saneamento básico e revitalização dos igarapés, além de considerar o tema como aspecto para as eleições municipais.
“O plano urbano de Manaus precisa ser repensado, e isso mais uma vez passa pelo poder público. É necessário que Manaus eleja representantes de fato engajados com a questão ambiental e com compromisso com saneamento básico”, ressalta.
Sobre conciliar a indústria e a utilização da água de forma responsável, o biólogo explica que é possível a partir da fiscalização das empresas de Manaus pelos órgãos ambientais é crucial e que estudos ambientais de novas instalações industriais são indispensáveis para mitigar o dano industrial sobre os igarapés.
Projetos de recuperação de igarapés
Na capital do Amazonas, a Organização Não Governamental (ONG) Mata Viva atua na conservação do Igarapé Água Branca, considerado o último igarapé preservado dentro da cidade, localizado no bairro Tarumã, Zona Oeste de Manaus.
O igarapé Água Branca, com mais de 7km de extensão, tem a nascente dentro das matas protegidas do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, atravessa a avenida do Turismo e deságua na Cachoeira Alta, também no Tarumã, e faz parte da lista de Áreas de Preservação Permanente (APPs).
De acordo com o presidente da ONG, Jó Fernandes Farah, o igarapé é um contribuinte da bacia do rio Tarumã-Açu, na qual lança dentro dessa bacia 4 bilhões de litros de água por ano, conforme dados coletados de pesquisas que a ONG consegue atrair para o local.
Jó Fernandes Farah informa que a organização atua desde o ano 2000 com diversas atividades dentro do Tarumã, como educação ambiental, coleta de lixo seletivo, atuação em aterro sanitário e em escolas com palestras.
“Agora a ONG entrou numa segunda fase em que estamos trabalhando o nosso viveiro de muda. Nós temos duas mil mudas de árvores nativas que nós queremos levar para locais onde existe igarapés poluídos. A nossa atenção é revitalizar esses igarapés com mudas de árvores da própria margem do igarapé. Não adianta você revitalizar o igarapé com, calçada colocando pracinha, colocando grama. Isso não é revitalizar isso é enfeitar, maquiar. Então a proposta da Mata Viva é revitalizar os igarapés retirando das margens as ocupações irregulares e botando a floresta de volta.”,
explica.
A ONG Mata Viva, segundo o presidente, também trabalha com uma trilha ecológica, onde recebem crianças do ensino fundamental em parceria com professores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
“Quando chega aqui (igarapé Água Branca), as crianças fazem essa trilha e depois fazem um desenho das atividades que elas viram nessa trilha. Na sequência vem plantio de mudas. Cada uma planta uma muda de árvore. O nosso foco é trazer crianças que moram perto dos igarapés poluídos para verem a importância de ter um igarapé limpo, como é bom viver perto de um igarapé limpo, porque Manaus está criando uma geração de seres humanos que nunca viram em igarapé”,
explica Jó Fernandes Farah.
Outro projeto que a ONG está tentando iniciar junto com o Aeroporto Eduardo Gomes, é levar turistas que chegam e aguardam por muitas horas de voo. Portanto o projeto, levaria esses turistas até o igarapé Água Branca, o transformando em uma espécie de sala verde do aeroporto.
Conforme o presidente da ONG Mata Viva, os mais de 90 igarapés existentes em Manaus estão prejudicados de alguma forma ou pelo lixo, ou pelo esgoto, ou pela ocupação irregular das margens.
Com a continuação da crescente urbanização desordenada, o Igarapé Água Branca já se encontra ameaçado.
“Já existem degradações aqui (região do igarapé), já existem desmatamento que ameaça o igarapé, que está começando a ser assoreado. Grandes empresas chegando na avenida do turismo, pois depois da duplicação da via foi um desastre para as florestas e igarapés que tem próxima da avenida porque virou um grande polo de mudança de indústrias, de comércio, de galpões, de fábricas, enfim, todo tipo de empreendimento tá chegando aqui para a área da duplicação da avenida do turismo”,
relata.
Farah comenta que o igarapé da Cachoeira Alta, onde o Água Branca joga água limpa, já está morto. O presidente da ONG ainda ressalta que o igarapé é uma mídia positiva para a questão ambiental de Manaus
Ações da Prefeitura de Manaus
De acordo com a Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp), o órgão atualmente realiza a manutenção de quase 213 igarapés existentes, na qual em média são retiradas por dia 40 toneladas de lixo.
Dos igarapés, os maiores estão localizados dentro da cidade, sendo 36, e o restante são córregos menores.
Com intuito para minimizar o descarte irregular de resíduos que prejudicam o meio ambiente, a Semulsp oferece a população serviços como a Coleta Agendada e Pontos de Entrega Voluntária (PEV) e as Lixeiras Flutuantes:
“A Coleta Agendada é o serviço onde a pessoa agenda a busca de objetos que não necessita mais, como por exemplo geladeiras e sofás, e o caminhão vai na porta da casa da pessoa pega-los. Outro serviço oferecido são os Pontos de Entrega Voluntaria (PEV), que estão instalados nos supermercados e recolhe garrafas pet, papel, vidro e entre outros. Tem também as lixeiras flutuantes, que estão instaladas nas comunidades ribeirinhas e ajuda no descarte correto de resíduos”,
explica a secretária.
Para Coleta Agendada, a população pode realizar o agendamento do serviço por meio de aplicativo de mensagens ou ligação, que se encontra disponível durante a semana, das 8h às 16h, nos números (92) 98415-9563 ou 98459-5618.