Para muito além dos descontos indevidos, aposentados relataram serem alvos frequentes de ligações ininterruptas de pessoas que obtém os dados do INSS, ameaças de cancelamento do benefício e até mesmo inscrição em planos de supostas vantagens e empréstimos consignados à revelia.
As reclamações vêm em meio a uma tentativa do INSS para conseguir descobrir o caminho pelo qual empresas e bancos tiveram acesso a dados pessoais dos aposentados, como CPF, nome completo, data de nascimento, número do benefício e, especialmente, telefone.
Os relatos são de que as importunações impactam o dia a dia, assustam, mexem com a rotina e geram dor de cabeça, especialmente devido às inúmeras tentativas de frear o abuso por meio de sites como o Reclame Aqui, no Procon e até mesmo na Justiça.
Ameaça de bloqueio
Em junho de 2023, a dona de casa aposentada Cleide Dantas recebeu uma ligação de uma mulher que se identificava como sendo de uma central de aposentados.
A CNN obteve o áudio que mostra a abordagem. Com insistência, a mulher diz trabalhar junto ao INSS e oferece uma espécie de cartão de crédito, com benefícios para compras em farmácias e mercados.
Em certo momento da ligação, a aposentada pede: “Você pode ligar amanhã”. E a atendente refuta: “Então, senhora, é que a gente já entra em contato para liberar, entendeu?”. A aposentada, então, nega ter interesse e diz: “Eu não vou querer, não”. É quando vem a ameaça da atendente: “Tá bom, então, referente ao seu benefício da matrícula *** está bloqueado. A senhora vai ter que aguardar 90 dias”.
“Eu desliguei, agradeci a ligação, desliguei e verdadeiramente liguei para o INSS, e falei com o atendente e ele disse que não procedia essa informação”, conta.“Chuva de ligações”
A psicóloga Idalucia Garcia, de 71 anos, é viúva há 40 anos e recebe um salário mínimo de pensão para viver em São Paulo.
Ela conta que uma das empresas chegou a dizer que “já tinha pronta uma apólice de seguros” no nome dela, “seguro de vida, já com todos os dados preenchidos, CPF, endereço e tudo mais”.
“Há muitos anos recebo ligações dessas empresas ditas parceiras de bancos oficiais e do próprio INSS, oferecendo serviços de produtos para o pensionista e o aposentado. As ligações são muitas por dia, o que já caracteriza um assédio moral, e elas são bastante insidiosas, oferecendo descontos em serviços que o idoso costuma usar, então farmácia, seguro de vida, etc.”, disse.
Cartão que nunca chegou
“É uma vergonha descontar dinheiro de pessoas que estão catando moedinhas pra contar remédio”, declara o torneiro mecânico Dimas Coimbra. Aos 71 anos e aposentado desde os 63, ele recebe cerca de R$ 2.500 e tem que continuar trabalhando para sobreviver em Franca, interior de São Paulo.
Dimas foi premiado às avessas. No nome dele já foram registradas pelo menos cinco fraudes diferentes. O primeiro foi um suposto cartão concedido com o débito mensal de R$ 120. Dimas nunca solicitou nem autorizou isso. “Esse bendito cartão nunca chegou nas minhas mãos, eu não sei o que aconteceu”.
“Me colocaram em um plano funerário de Porto Alegre com assistência gratuita, e eu estou a 2 mil quilômetros de lá. Me fizeram um empréstimo de R$ 2 mil, que eu ficaria o resto da minha vida pagando porque só debitaria os juros. Não existe uma agência de banco físico na minha cidade e me disseram que eu fiz o empréstimo pessoalmente. Não sei como eles conseguiriam assinaturas”, questiona ele.
Dimas conta ainda que foi inscrito em um suposto plano de benefícios do Rio de Janeiro, com valor de R$ 68, que daria acesso gratuito a um clube da capital fluminense.
“Eu estou com 71 anos, nunca fui ao Rio de Janeiro, não pretendo ir, e ainda mais pra frequentar esse clube. Eu não sei como eles conseguem isso. Com aval de quem?”, diz.
“Nunca nem ouvi falar!”
A pensionista Claudia Sobral dos Santos, de Bauru (SP), foi uma das que identificou os descontos indevidos.
No caso dela, no entanto, não foi possível ainda se cadastrar para receber de volta porque houve um erro na hora de preencher os dados do aplicativo.
Foram R$ 80 por mês descontados de uma associação que ela desconhece e nunca autorizou, até que ela entrasse no aplicativo do INSS e descobrisse que estava sendo furtada sem nem perceber.
“Pode não fazer falta pra muita gente, mas pra quem é aposentado e pensionista, sabe que faz muita falta pra gente. […] R$ 80 dava pra comprar mais mistura, dava pra comprar carne, dava pra comprar uma fruta, legumes, que a gente deixa de comprar porque esse povo pegou nosso dinheiro, sem autorização”, reclama ela.
“A gente não sabe nem que associação que é essa, ou da onde que é, pra que que serviu isso. Nunca nem ouvi falar, aí vai descontando sem avisar a gente, sem a gente saber, e vai consumindo. É um dinheiro que tá fazendo muita falta pra todos nós aposentados”, completa.
Vazamento de dados
Para entender como os dados pessoais dos aposentados chegaram às mãos de empresas, bancos e entidades sem ligação com o INSS, a CNN consultou o especialista em cibersegurança Carlos Alberto Costa, CEO da JC2Sec e presidente do Instituto Brasileiro de Segurança, Proteção e Privacidade de Dados. Para ele, a maior probabilidade é um problema dentro do próprio INSS.
“Infelizmente, o histórico do INSS não é positivo com relação à proteção dos seus dados. A gente tem em 2022 uma condenação do INSS por parte da Agência Nacional de Proteção de Dados por conta do vazamento de CPF, dados bancários e data de nascimento. De milhões de beneficiários do Brasil”, lembra ele.
“Em 2025, a gente tem um hacker que foi em fevereiro desse ano à plataforma X e denunciou um vazamento de mais de 39 milhões de dados de beneficiários do INSS. Isso é um suposto vazamento, até hoje a gente não tem ainda a confirmação, mas é fato que, após essa denúncia, diversas modificações foram feitas do ponto de vista de segurança no aplicativo Meu INSS, com exigência de biometria na parte de acessos”, completa.
O especialista ainda cita que em uma investigação de 2023 do Tribunal de Contas da União, o INSS declara que havia mais de 400 credenciais dos seus sistemas internos comprometidos e que ainda há o risco de terceiros, de parceiros de negócio do INSS, “que também são portas de entrada”, além do risco “na cadeia de terceiros, também como originadores de vazamento de dados”.
Somadas às falhas técnicas e vulnerabilidades, não se descarta a possibilidade de um hacker entrar nos sistemas da instituição, segundo Costa.
O que diz o INSS?
Em entrevista, Gilberto Waller destacou haver uma investigação em curso para tentar entender como os dados foram parar nas mãos de golpistas.
“A Polícia Federal está verificando como essas entidades conseguiam a lista de aposentados e pensionistas, a CGU também e os órgãos de controle estão tentando verificar a forma como é vazado esse tipo de informação”, disse ele.
O presidente da instituição ressaltou que também há um trabalho interno para cessar possíveis vazamentos.
“O INSS vem adotando procedimentos internos de melhoria nas suas redes, na sua segurança, no que pode ser informado para as instituições”, completa.