Governos municipais e especialistas pressionam o Ministério da Saúde por uma resposta coordenada contra a dengue.
Representantes de entidades de municípios e estados, além de especialistas, acreditam que uma das opções para uma resposta centralizada e ágil para o combate da doença é decretar a Emergência em Saúde Pública de Interesse Nacional (ESPIN).
O Ministério da Saúde, no entanto, descartou essa alternativa por enquanto.
Nos municípios, o vice-presidente da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) e prefeito de Campinas (SP), Dário Saadi, afirmou que a situação exige uma discussão técnica sobre o avanço da doença, além de ser necessário debater o financiamento para os municípios para compra de insumos.
A FNP enviou, nesta terça-feira (5), um ofício para o ministério para solicitar uma reunião com a ministra Nísia Trindade.
“Acredito que há necessidade de coordenação nacional, discutir financiamento específico para os municípios para combate à dengue, entender o cronograma da vacina, principalmente, a do [Instituto] Butantã”, afirmou o prefeito.
Saadi afirmou que enfrentou recentemente dificuldade em comprar testes rápidos da dengue para o município, além de encontrar o insumo com valor mais alto do que o comum.
Os governadores do Sul e Sudeste, por meio do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud), firmaram um compromisso, no último sábado (2), para cobrar mais recursos no combate à dengue e informações sobre a vacinação.
Já o presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) e Secretário de Saúde do Estado de Minas Gerais, Fábio Baccheretti, afirma que a ESPIN não é necessária neste momento e que os recursos têm chegado aos estados.
Segundo Baccheretti, o Conass tem orientado os estados a pedir emergência quando a curva de casos aponta para uma possível epidemia para adiantar os repasses. Para o Conass, a dengue tem curva entre 4 e 5 semanas de aumento de casos e depois, queda acentuada.
O Conass, porém, acredita que a capacitação de equipes com apoio do ministério pode melhorar o atendimento e evitar mortes. O conselho também pediu maior suporte aos estados da região Sul. Historicamente, essa parte do país não tem casos de dengue, o que reforça a necessidade de orientações de atendimento.
“A ESPIN não mudaria o fluxo financeiro que já existe. Na Covid, ela foi importante porque precisávamos de um recurso muito maior do que o previsto. A dengue é conhecida, o tratamento é suportivo, com hidratação. Temos recursos disponíveis.Não vemos benefícios do decreto em termos práticos. A dengue é algo rotineiro e conseguimos vencer”, disse Baccheretti.
Entretanto especialistas em epidemiologia acreditam que o ministério já deveria ter decretado a emergência para aumentar a rapidez de repasse de recursos e a capacidade de atendimento da rede pública.
Nos bastidores, sob reserva, alguns infectologistas preveem a pior epidemia da história do país, com possibilidade de até 3.000 mortes registradas pela doença em 2024. Até esta terça-feira (5), oito estados e o Distrito Federal decretaram emergência por causa da doença. As projeções, com base na evolução da doença entre outros anos, apontam ainda para um pico da doença entre fim de abril e maio.
Já entre os entrevistados, há o consenso de que o decreto poderia intensificar a orientação de tratamento e testagem para o atendimento à população.
O infectologista e pesquisador da Fiocruz, Júlio Croda, afirma que a emergência precisa ser decretada diante da “ameaça” e que já estamos com uma situação que precisa de medidas para detecção, tratamento e combate da dengue.
“Não existe justificativa técnica para não decretar emergência nacional. É uma base legal importante para transferência de recursos. Esses recursos podem ser utilizados, por exemplo, para contratação de pessoal. A gente tem um cenário de dengue e aumento de Covid. Isso vai demandar o sistema de saúde que já tem sobrecarga.”, comentou o cientista.
Para Wanderson Oliveira, ex- secretário Nacional de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde na gestão de Henrique Mandetta e servidor público federal, a decretação da ESPIN poderia trazer “foco para a resposta” e dar direcionamento às ações municipais, além de passar uma mensagem de união para a sociedade, diante de um quadro atípico. Para o epidemiologista, esse decreto ainda potencializaria todas as ações que já estão em andamento no ministério.
“Têm regiões em que a dengue ainda não chegou. Essa mobilização coordenada ajuda na prevenção nesses locais e ainda na mitigação, em municípios que já há disseminação”, comentou Oliveira.
Os cientistas ainda reclamam do atraso na notificação de óbitos que acarreta em dados inconsistentes sobre o avanço da doença e a causa da morte, o que impede medidas de contenção. O painel do ministério apontava até terça-feira (5), 744 casos prováveis de mortes e 278 confirmadas.
“Haja vista o grande número de óbitos que estão em investigação frente aos confirmados essa investigação poderia ser acelerada até para entender melhor porque os óbitos estão acontecendo. Infelizmente, o ministério da saúde protela uma medida que vai ser necessária mais cedo ou mais tarde”, ponderou o infectologista e professor da Unesp Botucatu, Alexandre Naime.
Decreto de emergência em saúde
O Decreto 7.616/2011 estabelece os critérios para a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. O documento apresenta cinco itens que podem justificar a emergência nacional. Entre eles, os especialistas acreditam que a atual epidemia já cumpre três requisitos:
- risco de disseminação nacional
Para os especialistas, há vetores em todo o país e o fluxo de turismo no carnaval é um fator considerado importante para o deslocamento da doença entre regiões;
- gravidade elevada
Nesse ponto, a elevada mortalidade e dados entre a semana epidemiológica 7 e 8 com aumento de 60% de óbitos confirmados por dengue, seria um critério
- extrapolação da capacidade de resposta da direção estadual do Sistema Único de Saúde – SUS
O Distrito Federal já anunciou colapso do sistema de saúde.
Os outros dois pontos previstos para emergência nacional não se aplicam à dengue. São eles: uma doença produzida por agente infeccioso inesperado e reintrodução de doença erradicada.