A expressão ‘cada mergulho é um flash’, que viralizou pela personagem Odete, vivida pela atriz Mara Manzan na novela ‘O Clone’, pode ser usada de forma literal para designar o projeto de expedição ‘Águas Urbanas’, do Instituto Mar Urbano que, por meio de mergulhos semanais de biólogos na Baía de Guanabara, registra em vídeos e fotos de alta resolução espécies marinhas que resistem à poluição e habitam com muitas cores e movimentos as suas águas. A bela paisagem flutuante por um momento amortece a lembrança que a baía agoniza com o despejo de quase 100 toneladas de lixo por dia.
É a primeira vez que o fundo da Baía de Guanabara é registrado desta maneira. A cada expedição do projeto, que teve início em janeiro deste ano, os biólogos têm descortinado um mundo de rara riqueza na imensidão de água que deu nome à cidade — ao ser avistada em 1502 pelo navegador florentino Américo Vespúcio, a baía, totalmente translúcida, foi confundida com um rio, por isso o nome ‘Rio de Janeiro’.
Cavalos-marinhos, tartarugas-verdes, peixes-pedra e peixes-morcego são exemplos de alguns espécimes que já foram filmados. Também foram observados de perto bancos de corais, esponjas e até um polvo-pigmeu, de aproximadamente dez centímetros, que nunca tinha sido visto antes nas águas do estado do Rio.
O diretor do instituto Mar Urbano, o biólogo e fotógrafo Ricardo Gomes, de 55 anos, que mergulha há 40 na Baía de Guanabara, conta que o objetivo principal do projeto é a preservação ambiental por meio da educação e proximidade do público com o oceano. “O objetivo é abrir a janela do fundo do mar. Queremos mostrar para a sociedade que, mesmo em meio à poluição, o meio ambiente resiste. O foco principal é a educação, tornar públicas as riquezas ocultas da Guanabara. Espero plantar dentro de cada pessoa uma sementinha de gratidão por estar respirando e bebendo água”, afirma.
Ricardo explica que as espécies conseguem sobreviver apesar de coabitar com a poluição por conta da ‘renovação das águas’ que acontece na Baía de Guanabara. A cada 12 dias, o estuário – que mistura água salgada e doce – renova 50% das suas águas através da troca com águas limpas do Oceano Atlântico, realizada pelo movimento de correntes e marés. Isso é possível pelo canal central da baía, que vai desde a entrada (entre Urca e Niterói) até os entornos da Ilha de Paquetá, e permite que as águas limpas do Atlântico entrem e circulem pelo seu interior, renovando as águas poluídas.
“A Baía de Guanabara é um reflexo do nosso oceano, e a maneira de nos relacionarmos com a bacia hidrográfica reflete a nossa relação com o mar. Mostrar que corais também existem na entrada da Guanabara, pois muitos acham que só tem em Abrolhos, na Bahia, e discutir a perda dos recifes de corais, mas sabendo que existem bancos de octocorais na entrada da Guanabara faz com que tenhamos uma discussão mais efetiva a respeito do meio ambiente. A Organização das Nações Unidas (ONU), com os seus ‘objetivos de desenvolvimento sustentável’ (ODSs), já entendeu que as soluções para os maiores problemas que enfrentamos são do local para o global. Devemos nos entender como cidadão global e manter uma relação saudável com o oceano. Cada gotinha de água conta na resolução de problemas maiores”, frisa Ricardo, referindo-se à Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), declarada pela ONU em 2017. A iniciativa tem como objetivo conscientizar a população global sobre a importância dos oceanos e mobilizar atores públicos, privados e da sociedade civil organizada em ações que favoreçam a saúde e a sustentabilidade dos mares.
“O propósito do Águas Urbanas é abrir uma janela para o fundo do mar, uma janela de comunicação, de admiração, de entendimento, principalmente. De um entendimento que precisamos muito agora. A ONU instituiu a década do oceano. Se pegamos os 17 ODSs, a vida sobre a água é o 14º, que é transversal a todos os outros”, ressalta Ricardo.
*Com informações O Dia