O Ministério Público da Bahia (MP-BA) e o Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro) ingressaram com uma ação civil coletiva contra a cantora Claudia Leitte por suposta prática de intolerância religiosa. O processo foi protocolado na 7ª Vara da Fazenda Pública de Salvador e tem como base a alteração reiterada de letras de músicas consagradas do axé — gênero musical de matriz afro — com a substituição de referências a orixás por termos de cunho cristão.
Entre os pedidos, está a condenação da cantora ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 2 milhões, além da obrigação de retratação pública, entre outras restrições. As informações foram encaminhadas pelo Idafro à reportagem da CNN Brasil.
Segundo a ação, a artista voltou a modificar uma canção tradicional ao substituir o nome do orixá Ogum pela palavra “Yeshua”, mesmo após o ajuizamento do processo. Para o MP-BA e o Idafro, a conduta configura “desrespeito às religiões de matriz africana e reforça um padrão reiterado de esvaziamento simbólico de elementos centrais da cultura afro-brasileira”.
A ação retoma a polêmica envolvendo a cantora no último verão, ao trocar o verso “saudando a rainha Iemanjá” por “eu canto meu rei Yeshua” na faixa “Caranguejo”, em 2024.
O documento é assinada pela promotora Lívia Maria Santana e Sant’Anna Vaz, da Promotoria de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, e por Alan Cedraz Carneiro Santiago, promotor de Justiça e coordenador do Nudephac (Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural).
O MP-BA e o Idafro também requerem que a artista seja judicialmente obrigada a se abster de praticar qualquer ato de discriminação religiosa, direta ou indireta, em apresentações públicas, entrevistas, produções artísticas ou redes sociais, alteração ou desvalorização de referências religiosas de matriz africana.
Além disso, Claudia Leitte deve ficar proibida de promover novas alterações em letras de músicas que integrem o patrimônio cultural afro-brasileiro. O processo ainda reitera o pedido de concessão de tutela antecipada, diante da alegada reincidência da conduta, mesmo após a judicialização do caso.
Na petição, o Idafro sustenta que as mudanças não podem ser enquadradas como exercício legítimo da liberdade artística ou religiosa, uma vez que se referem a músicas executadas há décadas e profundamente associadas à memória coletiva, à identidade cultural baiana e à própria história do axé music. E também que o axé é um gênero musical ligado às religiões de matriz africana e à noção de ancestralidade.
O texto destaca que Claudia Leitte construiu sua carreira e patrimônio artístico nesse contexto cultural, sem migração formal para o segmento gospel, optando, ainda assim, por alterar letras tradicionais e substituir referências aos orixás por símbolos de outra matriz religiosa.
O processo ressalta que as religiões afro-brasileiras são reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como patrimônio cultural imaterial e, por essa razão, merecem proteção específica do Estado, sobretudo por serem historicamente alvo de estigmatização e preconceito.

