Rio de Janeiro (RJ) – Marcius dos Reis Resener de Oliveira, preso pela morte da ex-companheira na última sexta-feira (6), se passava por advogado criminalista e dizia ser especialista na defesa de homens que eram acusados pela Lei Maria da Penha. Marcius, no entanto, não possui inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ou seja, não pode exercer a profissão no país.
Em uma entrevista concedida em fevereiro deste ano a uma emissora de Teresópolis, na Região Serrana, ele fez críticas à lei, disse que a maior parte das mulheres mentem nas denúncias e que os maiores prejudicados são os filhos.
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O tema da entrevista para a TV Cidade era “Homens sofrem mais violência doméstica do que as mulheres” e, durante o programa, Marcius diz que sofreu violência doméstica por parte de Aline da Silva Resener de Oliveira, a quem matou a tiros. No relato, ele diz que a mulher bateu no filho e gravou a agressão para atingi-lo.
“Meu filho seria mais um Henry Borel da vida se eu não atuasse”, afirmou ele.
Marcius fez referência à morte do menino Henry Borel, de 4 anos, em 2021. Segundo as investigações e a denúncia do Ministério Público, o autor das agressões que mataram o menino foi o padrasto, o ex-vereador Jairinho.
No desenrolar da entrevista, ele dá dados sem citar fontes para tentar dizer que “mulheres mentem nas denúncias da Lei Maria da Penha” e que “homens sofrem mais, mas não denunciam”.
Criada em 2006, a Lei Maria da Penha tornou crime a violência doméstica e familiar contra a mulher. O nome é uma homenagem à mulher cujo marido tentou matá-la duas vezes e que desde então se dedica à causa do combate à violência contra as mulheres.
Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) divulgados em março, o RJ bateu recorde de feminicídios em 2022, com 1 mulher morta a cada 3 dias.
Tanto na entrevista quanto nas redes sociais, ele se apresentava como advogado criminalista e dizia que era especializado na defesa de homens que eram denunciados pela Lei Maria da Penha e casos de alienação parental.
Em áudios enviados em grupos, ele costumava se vangloriar de ganhar casos e oferecia serviços e mentorias – reuniões on-line nas quais cobrava R$ 350 para dar instruções.
Múltiplas profissões
Além de advogado, ele também se apresentava como psicanalista, policial e pastor, tendo até postado vídeos em pregações.
Mas, na audiência de custódia que aconteceu neste domingo (7), ele informou ao juiz que é funcionário público da Secretaria Municipal de Educação do Rio e que trabalha na Escola Municipal Estado de Israel, que fica em Realengo.
Durante a entrevista, ele se contradiz, dizendo que o pai é engenheiro e depois afirma que é filho de um desembargador.
A mãe, Maria Regina dos Reis de Oliveira, é advogada. O cadastro dela está ativo, e é ela que defende o filho em processos contra a Aline.
Marcius participava de uma organização chamada Unifami – União pela Família, que tem como propósito dar “apoio às vítimas de alienação parental e denunciação caluniosa”. A organização é formada por psicólogos, advogados e profissionais que atendem a esses pais.
Era nesse grupo que ele captava clientes, dava supostas informações sobre a Lei Maria da Penha e até mesmo discutia com quem discordasse do seu modo de agir. Em um áudio, ele disse que teve a oportunidade de ser presidente dessa organização, mas não quis.
“O negócio tá ficando mais estreito, as pessoas vão se lascar, eu tô avisando. Eu tô estudando isso, vocês têm que fazer a mentoria, é R$ 350. Vocês querem ficar sem ver os filhos durante 20 anos? É o que vai acontecer”, ameaçou em uma oportunidade.
Participantes do grupo disseram ao g1 que o grupo ficou “à deriva” depois da prisão dele.
Em outra ocasião, Marcius discute com um homem.
“O senhor é advogado, meu querido? Onde há fumaça, há fogo. Você é advogado? Quando virar advogado, souber do Planalto, você fala. Depois a gente é grosseiro por isso. Eu não me formei na PUC à toa, não estou escrevendo livro da Maria da Penha para defender inocentes à toa! Não adianta falar isso aí, Deus abençoe”.
Segundo Marcius, ele tinha um livro pronto para ser publicado nos próximos três meses, a preço popular (cerca de R$ 19,99).
No anúncio do livro, na própria rede social, ele dizia:
“O livro está quase pronto, tudo que você precisa saber para se livrar das acusações falsas. Um livro que vai te ensinar não somente direito criminal, mas sobre a Lei Maria da Penha e suas falhas. Com ela vem minha consultoria jurídica. 40 anos moldado no direito criminal. Saiba como se livrar dela”.
Revolta e comoção no enterro de Aline
O corpo de Aline foi sepultado no Cemitério de Sulacap nesta segunda-feira (8). Na cerimônia, Marli Oliveira da Silva, mãe da vítima, revelou que o menino de 8 anos está com trauma por ter presenciado a morte da mãe e repete insistentemente: “meu pai matou minha mãe com dois tiros na cabeça”.
Ela foi morta a tiros na frente do menino na última sexta (6) em Bangu, na Zona Oeste. Marcius foi preso em flagrante enquanto tentativa fugir com o filho. Ele contou com a ajuda da atual companheira, Rafaella Azevedo Calheiros Regis, que também foi presa.
A prisão dos dois foi convertida em preventiva pelo juiz Bruno Rodrigues Pinto, que considerou o casal perigoso e um risco para as testemunhas.
Em suas próprias defesas, Rafaella disse que está grávida e Marcius afirmou ter problemas psiquiátricos. Mesmo assim, os dois permanecerão presos durante a investigação.
O juiz ainda ressaltou que a ação dos dois foi atroz, violenta, impiedosa e cruel por não terem se preocupado com o psicológico do menino. Segundo a avó, desde o crime, a criança não consegue dormir.
Aline e Marcius disputavam a guarda do filho na Justiça. Segundo a família, ele chegou a sequestrar e sumir com o menino por 1 ano e meio. Ela reencontrou o filho no fim do ano passado.
A família diz ainda que Aline já havia denunciado o ex-marido à Polícia Civil, que chegou a pedir duas vezes a prisão de Marcius. Mas a Justiça negou as prisões.
Na última denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), no mês passado, por um suposto sequestro do filho, a juíza Gisele Guida de Faria entendeu, conforme descrito no despacho, que não havia a “necessidade da prisão preventiva ainda que diante da denúncia de cárcere privado ou sequestro”.
Durante o enterro, a mãe de Aline disse temer que ele mate mais pessoas.
“Até quando vai ficar preso? A gente está com medo, porque nós estamos com o filho dele, e ele está dizendo que vai matar a gente. E ele não anda sozinho”, declarou Marli.
*Com informações do G1