O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, disse ver como “extremamente positivo” um consenso sobre o marco temporal de terras indígenas, mas que, se não houver acordo, a Corte vai retomar a votação do caso.
“Vamos esperar algumas semanas par ver se há avanço ou perspectiva real de se chegar a acordo. Se não houver, vamos retomar a votação, pura e simplesmente”, afirmou. “Portanto é preciso que haja esforço. A procrastinação não é a opção que está posta na mesa, e sim esforço real de se chegar a um tipo de consenso”.
A fala foi feita nesta segunda-feira (5), na abertura dos trabalhos da comissão que criada para tentar negociar uma conciliação sobre a lei que criou o marco temporal. Na prática, o mecanismo restringe a demarcação de território dos povos originários.
Barroso afirmou considerar “institucionalmente desejável” uma solução que consiga “harmonizar” as diferentes visões sobre o tema.
“Conciliação sempre que possível é melhor do que conflito. Se for possível chegar a um termo comum, é extremamente positivo. Antes da votação, ninguém pode ter certeza plena de que a lei será declarada quer incondicional, quer constitucional”, declarou.
A discussão sobre o assunto foi levada mais uma vez ao STF por meio de ações sobre a lei que criou o marco temporal.
A tese do marco temporal estabelece que os indígenas só têm direito às terras que estivessem ocupando ou disputando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
O Supremo já decidiu que a tese é inconstitucional em 2023, mas o Congresso aprovou a lei estabelecendo o marco.
Partidos e entidades acionaram o STF contra e a favor da nova lei, e o ministro Gilmar Mendes encaminhou os casos para tentativa de conciliação.
“Pacificar os ânimos”
Na abertura dos trabalhos, nesta segunda-feira, Gilmar disse que a iniciativa é uma tentativa de “pacificar os ânimos” para propor soluções que “possam ser depois enviadas ao parlamento para eventual proposta legislativa”.
“Essa oportunidade aberta aqui nessa comissão é uma janela de pacificação histórica que deve ser aproveitada por todos”, declarou o ministro.
O debate no STF envolve representantes dos povos indígenas, Congresso, governo federal, estados, municípios, partidos políticos e entidades sob a coordenação do gabinete do ministro Gilmar Mendes. A previsão é que os trabalhos durem até dezembro.
A abertura da negociação se dá em meio a um aumento de tensão na disputa por terra entre indígenas e ruralistas no Mato Grosso do Sul.
Neste fim de semana, indígenas foram atacados em Douradina (MS). Há registros de pelo menos dez feridos por armas de fogo e de borracha.
Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), dos dez feridos, dois indígenas estão em estado grave: um com um tiro na cabeça e outro com um tiro no pescoço.
O que se discute no STF
O alvo da discussão é a lei aprovada pelo Legislativo que cria o marco temporal e, na prática, restringe a possibilidade de demarcação de territórios dos povos originários.
A norma foi aprovada no mesmo dia em que o Supremo fixou a tese em que declara inconstitucional o marco temporal, em 27 de setembro de 2023.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez vetos ao projeto, mas eles foram derrubados pelo Legislativo em dezembro. A lei está em vigor desde então.
Por que o tema volta à discussão?
Mesmo o STF já tendo decidido que a tese é inconstitucional, o tema voltou à Corte porque partidos e entidades apresentaram quatro ações sobre a nova lei.
PP, PL e Republicanos acionaram o STF pedindo aos ministros que confirmem a constitucionalidade da norma.
Por sua vez, o PDT, a federação PT-PCdoB-PV e a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolaram ações buscando a derrubada de trechos da lei – entre eles, o que criou o marco temporal.
Há ainda uma quinta ação, em que o PP pede ao STF que reconheça omissão do Congresso em regulamentar um dispositivo da Constituição que abre margem para a exploração das “riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos” em terras indígenas desde que haja “relevante interesse público da União”.