Há 20 anos, as terapias disponíveis no SUS para tratamento de câncer de mama metastático são as mesmas, o que dificulta o acesso a drogas inovadoras e com redução de efeitos colaterais.
Recentemente, uma nova classe de medicamentos teve a aprovação pela Conitec, comitê responsável por definir o rol de tratamentos incluídos no SUS.
Porém, passados 600 dias da recomendação, o Ministério da Saúde ainda não definiu como será feita a incorporação da terapia e a distribuição para os hospitais e serviços de saúde públicos do país. Em geral, o prazo para fazer essa avaliação é de 180 dias após o aval do comitê.
As terapias inovadoras são uma classe de medicamentos conhecidos como inibidores de CDK, ou inibidores de ciclina. Elas agem diretamente sobre os tumores de mama do tipo HR+/HER2-. Em estudos globais, elas aumentaram progressivamente a qualidade de vida das pacientes e aumentaram o tempo de sobrevida sem progressão da doença.
São três medicamentos incluídos nesta classe: o palbociclibe, da Pfizer, o abemaciclibe, da Eli Lilly, e o ribociclibe -este último, da farmacêutica Novartis, teve os resultados de um estudo global apresentados no congresso da sociedade americana de oncologia clínica (ASCO, na sigla em inglês) em maio, com redução de até 25% da recorrência do tumor.
As drogas foram incorporadas no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) em abril de 2021. Desde então, beneficiárias dos planos de saúde conseguem as terapias diretamente pelo convênio. Pacientes que dependem do SUS, no entanto, continuam sem acesso ou precisam pagar do próprio bolso. O custo do tratamento, que é mensal, pode chegar a R$ 21 mil pela caixa com 21 comprimidos.
“Do ponto de vista de avaliação de custo-efetividade, isto já está feito, agora seria a fase de negociação do governo e planejamento da distribuição, e estamos totalmente no escuro”, afirma Luciana Holtz, presidente-fundadora do Instituto Oncoguia.
“Não achamos que é uma bala de prata, mas essas terapias são uma alternativa para as pacientes. O problema do financiamento é crônico, não é de agora, mas seria importante que a recomendação viesse atrelada a uma fonte financiadora”, avalia Laura Testa, oncologista do Hospital São Luiz da Rede D’Or e chefe do Grupo de Mama do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo).
As terapias, já aprovadas nos EUA, Europa, Reino Unido, Canadá e Austrália, além do Brasil, têm uma alta eficácia com aumento da sobrevida das pacientes de até dez meses em comparação ao tratamento tradicional (hormonioterapia sozinha).
Do total de casos de câncer de mama no país, os tumores HR+/HER2- representam de 65% a 70%, explica o diretor do núcleo de mastologia do Hospital da Mulher, André Mattar.
A falta de acesso a terapias inovadoras aumenta as desigualdades no tratamento deste que é um dos tipos de câncer mais agressivos, avalia o médico. “O Brasil é o único país que aprova mas não disponibiliza. Todos os outros países, assim que os órgãos regulatórios aprovaram, disponibilizaram imediatamente”, afirma o médico.
Em geral, a sobrevida de uma mulher que tem diagnóstico de câncer de mama já em estágio avançado (com metástase) é de cinco anos. Como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo, o atraso no diagnóstico nos últimos anos no país tem levado a um aumento dos tumores descobertos tardiamente.
“Quando você compara uma paciente com convênio e a do SUS, a do sistema privado tem uma sobrevida maior comparada com aquela do serviço público. E como são tumores em estágio avançado, isso amplia ainda mais as desigualdades do acesso ao tratamento oncológico no país”, completa Mattar.
Em nota enviada à reportagem, o Ministério da Saúde disse que a Conitec avaliou, em 2021, a eficácia, a segurança, o custo-efetividade e o impacto orçamentário do abemaciclibe, palbociclibe e succinato de ribociclibe para o tratamento de câncer de mama avançado e que, para dar efetividade a esta incorporação, é necessária a criação de novos procedimentos na Tabela de Procedimentos, Medicamentos e Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS (SIGTAP). “Assim que finalizado o processo, os referidos procedimentos estarão disponíveis para lançamento pelos prestadores e reembolso via APAC [Autorização de Procedimentos Ambulatoriais].”
Um dos principais efeitos do tumor de mama avançado é atingir outros órgãos como ossos, pulmão e fígado, podendo causar impacto importante na qualidade de vida e dor. A terapia com inibidores de ciclina reduz esses efeitos, combatendo as células tumorais metastáticas, sem os efeitos da quimioterapia. “Tem um impacto na qualidade de vida muito importante dessas pacientes com redução da toxicidade, por isso foi uma classe de medicamentos muito bem recebida pela classe médica”, afirma Silvia Graziani, chefe do serviço de oncologia clínica do ICAVC (Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho).
Além do acesso via saúde suplementar, outra opção para mulheres que enfrentam um tumor metastático é tentar a inclusão em pesquisas clínicas. Em 2022, a comerciante Ana Paula da Silva, 46, foi convidada para um estudo no ICAVC para receber o ribociclibe em um programa de acesso expandido patrocinado pela farmacêutica Novartis, fabricante do medicamento.
A ideia é levantar dados a partir de um estudo acerca do tempo de vida sem recorrência da doença e da qualidade de vida após o uso da droga.
Ela, que teve o diagnóstico de câncer de mama em 2019 já em estágio avançado, se sente muito melhor desde que começou a terapia, com mais disposição para realizar atividades diárias, como trabalhar, estar com os filhos e netos e viajar. “Eu infelizmente descobri o câncer já avançado, mas sou muito grata por poder receber o tratamento, não sinto mais o desconforto de antes e tenho esperança para poder ficar com a minha família”, relata.
Como o número de participantes em estudos é limitado, esse continua sendo um acesso também privilegiado para algumas poucas pacientes. “Sabemos que o SUS é um sistema complexo, mas o que angustia é essa demora, esse atraso”, afirma Graziani.
*Com informações Folha de São Paulo