Suponha que 100 alunos brasileiros tenham começado, em janeiro de 2021, uma graduação de quatro anos de duração. Em tese, eles deveriam ter se formado em dezembro de 2024, certo?
Mas, pelo que indicam dados divulgados nesta terça-feira (9), a tendência é que, mesmo em 2027, três anos após a data esperada para a formatura, 51 desses estudantes NÃO tenham terminado o curso. Boa parte (25 deles) terá desistido ainda no 1º ano da faculdade.
Esses números foram comparados aos de nações que são referência em desenvolvimento humano, como Luxemburgo, Suíça e Noruega, na edição de 2025 do estudo “Education at a Glance”, produzido anualmente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
- No Brasil, 25% dos alunos abandonam o bacharelado ainda no 1º ano. Na média da OCDE, o índice é de 13%, também considerado alto no relatório.
- Entre os brasileiros, apenas 38% terminam a graduação dentro do prazo esperado (versus 43% na OCDE).
- Três anos após a data em que, em tese, todos deveriam ter concluído o curso, 51% dos alunos no Brasil continuam sem o diploma. Na OCDE, a média é de 30%.
Essas baixas taxas de permanência e de conclusão explicam por que apenas 24% dos jovens adultos (25 a 34 anos) têm ensino superior completo no Brasil (versus 49% na OCDE).
“Altas taxas de evasão no primeiro ano podem indicar um descompasso entre as expectativas dos alunos e o conteúdo ou exigências do curso, possivelmente refletindo falta de orientação profissional ou de apoio aos calouros”, afirma a análise do “Education at a Glance”.
Por que tantos desistem?
Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), aponta três fatores principais que explicam a alta evasão no ensino superior brasileiro, não só no início dos cursos:
- Baixa qualidade da educação básica: “Poucos alunos saem com um bom nível de aprendizado, o que impacta a continuidade da graduação. Eles chegam com lacunas importantes nos conhecimentos [que deveriam ter sido aprendidos na escola]”, afirma o especialista.
- Fator financeiro: “Muitos têm dificuldade de se manter no ensino superior, seja pela questão de custo, já que boa parte está na rede privada, mas também por não haver remuneração no período de estudos”.
- Falta de perspectiva: “Grande parte dos cursos é de qualidade média ou baixa e, por isso, não passa um efeito sinalizador de grandes retornos financeiros. Os alunos não ficam tão seguros de que, se concluírem a graduação em determinadas faculdades, terão grande compensação depois”, diz Faria.
Claudia Costin, especialista em políticas educacionais e ex-diretora global de educação do Banco Mundial, levanta outras três hipóteses:
Consequência da universalização tardia da educação básica: “Pessoas mais vulneráveis passaram a ter acesso à escola só nas últimas décadas — e é ótimo que isso tenha acontecido”, diz.
“Mas o Brasil foi um dos últimos países da América a alcançar esse objetivo. Temos agora alunos que são da primeira geração a fazer faculdade na família. É mais difícil engajar esses estudantes que não têm ainda uma referência [acadêmica] em casa.”
Dificuldade de escolher o curso: “Nos Estados Unidos e na Finlândia, a formação profissional acontece não na graduação, mas no mestrado. No Brasil, a escolha [da carreira] pode estar ocorrendo cedo demais, fazendo com que o aluno eventualmente não goste [da faculdade]”, explica Costin.
Busca pela opção menos concorrida: “Há quem escolha o curso de licenciatura, por exemplo, não porque quer ser professor, mas porque é um vestibular menos competitivo. E aí, entra na graduação e não se identifica com o que encontra ali”, afirma a especialista.
Nos cursos de STEM (sigla em inglês para Science, Technology, Engineering, and Mathematics — ou seja, Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática), a taxa de conclusão é ainda menor do que na área da Saúde, aponta o relatório: 38% contra 46%, respectivamente.
“Essa grande evasão na Engenharia, por exemplo, é muito influenciada pela questão da qualidade da educação básica — principalmente, por causa da lacuna em matemática que parte da população tem”, explica Faria, diretor-fundador do Iede.
Nos países da OCDE, mais da metade (58%) dos ingressantes em STEM termina a graduação — índice bem mais alto do que no Brasil, mas também preocupante, afirma o documento.
No Brasil, 76% dos ingressantes das universidades tiraram um ano de intervalo após o fim do ensino médio. É um percentual bem acima da média do registrado pela OCDE, de 44%.
Veja outros dados:
Diferenças entre homens e mulheres
- Em todos os países, as mulheres que ingressam em cursos de bacharelado têm mais probabilidade do que os homens de concluir a graduação no tempo certo ou em até três anos após a data prevista para a formatura.
- Por outro lado, elas são maioria na geração “Nem-Nem”. Em 2024, no Brasil, quase um quarto dos jovens (24%) de 18 a 24 anos no Brasil não trabalhava, nem estudava — taxa de 29% entre as mulheres e de 19% entre os homens.
“Temos o problema da gravidez na adolescência e do cuidado com irmãos mais novos. Como a cultura de escola em tempo integral ainda não é predominante no Brasil, alguém precisa ficar em casa para cuidar dos pequenos”, diz Costin. “Em geral, é a própria mãe ou a irmã mais velha.”
Alunos podem não perceber, mas salários estão ligados ao diploma
As desigualdades de renda entre trabalhadores com diferentes níveis de escolaridade são altas no Brasil:
- Adultos de 25 a 64 anos com ensino superior completo ganham, em média, 148% a mais do que aqueles com ensino médio completo (na OCDE, o abismo é menor, de 54%).
- Quem tem escolaridade abaixo do ensino médio recebe, em média, 75% do rendimento de quem completou a educação básica.
- Em média, indivíduos com mestrado têm empregabilidade e rendimentos significativamente mais altos do que aqueles que só estudaram até o bacharelado. Só 1% dos brasileiros chega a esse nível da pós-graduação stricto sensu. Na OCDE, índice é de 16%.
Nem sempre esse incremento salarial trazido pelo diploma é algo imaginado pelo jovem que está na faculdade.
“Ele acha que vai ganhar mais se largar o curso e começar a trabalhar. É uma visão errada do que ocorre: quem tem curso superior ganha o triplo de quem não tem”, explica Costin.
Gasto por aluno no Brasil continua baixo em comparação à média da OCDE
Do ensino fundamental ao superior, o gasto governamental por aluno é de 3.762 dólares a cada ano (cerca de R$ 20,4 mil) , cerca de um terço da média da OCDE.
Comparado a outras nações da América Latina, o valor é menor do que os registrados na Argentina, no Chile e na Costa Rica, mas maior do que no México e no Peru.
Por outro lado, quando expresso em percentual do PIB, o investimento brasileiro em educação (4,3%) supera a média da OCDE (3,6%).
Observação: Os gastos com educação no Brasil representam uma parcela do PIB semelhante às da Suécia e da Nova Zelândia, considerados referência em desenvolvimento.
No entanto, o que realmente importa na comparação é o investimento que cada nação faz por aluno. Usar o PIB como critério significa considerar realidades econômicas e sociais totalmente diferentes:
- O PIB do Brasil em 2022 foi de US$ 1,92 trilhão, enquanto na Suécia foi de US$ 591,2 bilhões e, na Nova Zelândia, de US$ 248,1 bilhões.
- As populações destes países eram, no mesmo ano, de 215,3 milhões de pessoas no Brasil, 10,49 milhões na Suécia e 5,124 milhões na Nova Zelândia.
Ou seja, mesmo que o PIB do Brasil seja mais alto e que o percentual de investimento esteja próximo aos dos outros dois países, a população brasileira é muito maior, com número consideravelmente superior de alunos e de professores.
Diluindo o valor gasto pelo número de estudantes, fica nítido que os gastos com educação são proporcionalmente menores no Brasil.
“O nosso problema é gastar pouco por investir pouco na qualidade do professor. Os salários melhoraram com a Lei do Piso, mas estão muito abaixo de profissões que demandam a mesma escolaridade. É preciso aumentar a remuneração dos docentes”, diz Costin.
O que é o relatório ‘Education at a Glance 2023’?
- Divulgado anualmente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o relatório “Education at a Glance” reúne e compara os principais indicadores internacionais ligados à educação.
- Os números mostram a realidade de 49 países, incluindo os 38 membros da OCDE e 11 parceiros (Argentina, Brasil, Bulgária, Croácia, China, Índia, Indonésia, Peru, Romenia, Arábia Saudita e África do Sul).
- Os dados são fornecidos pelos próprios países.