A Associação Moriá, entidade suspeita de irregularidades, foi escolhida para atuação em áreas diversas e desconexas, como projeto gamer, combate à dengue, shows e cursinhos preparatórios para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Como revelou o Metrópoles, os diretores da entidade são laranjas, e a ONG não funciona no endereço registrado em documentos oficiais. No período de dois anos, de dezembro de 2022 a dezembro de 2024, a entidade foi a destinatária de R$ 74,5 milhões em emendas parlamentares – R$ 53,3 milhões de deputados e senadores do Distrito Federal.
A maioria dos parlamentares enviou recursos milionários para a execução de um projeto que ensina jovens a jogarem games, como LoL e Free Fire. No DF, foram R$ 46 milhões em emendas destinadas a essa finalidade, dos quais R$ 8 milhões já foram pagos.
Os termos de fomento foram assinados com base em informações falsas. Após as denúncias reveladas pelo Metrópoles, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino cobrou informações da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Congresso Nacional. No domingo (20/7), o Ministério do Esporte, responsável pelos repasses da maioria das emendas parlamentares, anunciou a suspensão dos pagamentos à Associação Moriá.
Veja quem enviou emenda para o projeto gamer no DF, entre 2023 e 2024:
- Deputado federal Fred Linhares (Republicanos): R$ 27,6 milhões;
- Senador Izalci Lucas (PL): R$ 15,5 milhões;
- deputada federal Bia Kicis (PL): R$ 1,5 milhão;
- Deputado federal Julio Cesar (Republicanos): R$ 800 mil; e
- deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania): R$ 500 mil.
Na capital do país, a mesma ONG escolhida para a execução do projeto gamer também recebeu emendas parlamentares no valor de R$ 7 milhões para executar serviço de combate à dengue por “intermédio de armadilhas de captura”; mais R$ 250 mil para shows em feiras e R$ 150 mil para cursinho preparatório do Enem. Veja:
- Deputado federal Fred Linhares (Republicanos): R$ 5 milhões para combate à dengue;
- Deputado federal Gilvan Máximo (Republicanos): R$ 2 milhões para combate à dengue;
- deputado federal Reginaldo Veras (PV): R$ 400 mil (R$ 250 mil para shows em feiras e R$ 150 mil para cursinho preparatório para o Enem).
A Associação Moriá informou, em nota, que “a diversidade dos projetos executados está diretamente relacionada à finalidade social da entidade e da composição multidisciplinar de seu corpo técnico, que reúne profissionais especializados nas áreas de pedagogia, tecnologia da informação, saúde pública, comunicação, assistência social e gestão de projetos”.
“Essa equipe é composta por educadores, agentes de saúde, gestores, instrutores e consultores, todos com experiência comprovada na execução de políticas públicas e iniciativas sociais com enfoque comunitário”, declarou a ONG. A reportagem apurou, porém, que a associação não dispõe de corpo técnico conforme afirmado.
O que dizem os deputados
O deputado federal Reginaldo Veras declarou que indicou as emendas para a Associação Moriá em 2023, mas os valores só estão sendo executados neste ano. “Antes de autorizarmos o envio dos recursos para os projetos, fazemos um levantamento da situação jurídica da OSC executora. No contexto do cadastramento em 2023, não havia qualquer problema ou suspeição em relação a entidade. Já para orçamento de 2024 com execução em 2025, após denúncias, a instituição foi proibida de receber recursos do nosso mandato”, afirmou.
“O parlamentar não escolhe a OSC. É comum, associações que desenvolvem projetos e ainda não tem o CNPJ com todas as exigências dos ministérios, pedem apoio de execução em OSCs já estabelecidas. São os artistas, instituições de ações sociais, esportivas etc. que escolhem as OSCs”, afirmou.
O deputado federal Gilvan Máximo declarou que o responsável pela análise dos documentos da entidade é o governo federal.
O deputado federal Fred Linhares disse que “seu papel se restringe à indicação de recursos ao ministério competente, responsável pela análise técnica, aprovação e execução do projeto apresentado pela entidade proponente”. “Cabe exclusivamente ao governo federal, por meio dos ministérios, avaliar a viabilidade do projeto, atestar a capacidade técnica da instituição e autorizar a liberação dos recursos. O parlamentar não participa da contratação da entidade nem da execução do projeto, que é acompanhada pelos órgãos de controle interno e externo”, pontuou.
“A indicação teve como premissa um projeto com forte impacto social: a oferta de cursos profissionalizantes voltados para alunos da rede pública, especialmente nas áreas de tecnologia e inovação, com foco em carreiras do futuro. Trata-se de uma iniciativa que visa preparar jovens para o mercado de trabalho e fomentar a inclusão digital, deixando um legado importante para a educação do Distrito Federal”, declarou o parlamentar.
O senador Izalci Lucas assinalou que “o Jedis-DF é uma iniciativa da Associação Moriá, realizada em parceria com o Instituto Federal de Brasília (IFB) e o Serviço Social do Comércio (Sesc), e sua execução se dá por meio do Ministério do Esporte, que o aprova e o executa”.
A deputada Bia Kicis frisou que “a indicação dos recursos foi feita por meio de emenda de bancada, por indicação do deputado Fred Linhares, e foi aprovada de forma coletiva, para um projeto que considero relevante: qualificação de jovens em áreas digitais, com foco nos jogos digitais e tecnologia, setores importantes para o futuro do DF e geração de emprego e renda”.
“A associação indicada apresentava toda a documentação exigida pela legislação no momento da destinação e estava habilitada formalmente a executar o projeto, como tantas outras entidades parceiras do poder público. A escolha teve como critério o mérito da proposta apresentada, que se conecta à necessidade de formação profissional e inovação”, afirmou a parlamentar.
A deputada distrital Paula Belmonte disse que “os recursos de emenda parlamentar foram destinados a um projeto social apresentado pelo professor Marcos Pacco, um educador reconhecido em todo o Distrito Federal, focado no atendimento de crianças, adolescentes e de pessoas com deficiências (PCDs) na rede pública de ensino”.
“À época, a assessoria técnica da deputada analisou a alocação e não havia qualquer impedimento legal para a realização do aporte. Após a execução da emenda, a deputada acompanhou a realização do projeto. Em uma das ocasiões, em agosto de 2024, a deputada esteve no Centro Educacional (CED) 14 de Ceilândia, no Setor O, para o lançamento dos Jogos Estudantis Digitais de Brasília, realizados com recursos da emenda. Cabe ressaltar que o projeto apresentou a documentação para fins de prestação de contas e aguarda a análise técnica do ministério que executou os recursos”, informou a parlamentar do DF.
O deputado Julio Cesar Ribeiro salientou que “a destinação da emenda de bancada no valor de R$ 800 mil à referida instituição seguiu os trâmites legais previstos no orçamento público, limitando-se à indicação dos recursos ao ministério responsável, que conduz todas as etapas técnicas e operacionais do processo”.
“Cabe ao governo federal, por meio do ministério competente, avaliar a viabilidade da proposta, atestar a capacidade da entidade proponente, celebrar o convênio e liberar os recursos. A indicação teve como base o mérito social da proposta, voltada à oferta de cursos de qualificação profissional para jovens da rede pública, especialmente nas áreas de tecnologia e inovação, promovendo inclusão digital e preparando os estudantes para o mercado de trabalho”, declarou.