Considerada uma das maiores fadistas da sua geração, com 15 anos de carreira, Cuca Roseta revisita alguns clássicos da Música Popular Brasileira (MPB) no seu décimo álbum, “Até a fé se esqueceu”, com nove faixas, uma obra idealizada e produzida por João Mário Linhares para o selo MP, B / Som Livre.
O álbum, que chega às plataformas de streaming no próximo dia 11 de abril, reúne três convidados: Seu Jorge, Zé Renato e Zeca Pagodinho e os músicos Marcelo Caldi (piano e acordeão), Guto Wirtti (baixo) e Pedro Franco (violão, bandolim e cavaquinho).
A MPB faz parte da vida profissional de Cuca, após gravar com Ivan Lins e Djavan, compositores-cantores que estão entre os mais destacados do Brasil. A artista portuguesa já cantou com Pierre Aderne e foi produzida pelo jornalista, letrista e escritor Nelson Motta.
A fadista revisitou a história musical brasileira e teve como ponto de partida algumas canções de 1937 e avançou no tempo até chegar a 2024. Com todo o repertório organizado, mas sem uma cronologia estabelecida por ano, as canções que brilharam nas vozes de Dori Caymmi, Tom Jobim, Jorge Ben Jor, entre outros, integram uma playlist a ser apresentada numa minitemporada de shows por algumas cidades brasileiras, no fim de abril.
“Escolhemos grandes compositores e poetas e demos toda a atenção à palavra. É uma declamação de poesia cantada, uma história que vem do coração. Ela só ganha asas se for cantada pela voz da alma. Também no fado português, colocamos nosso ego de lado e nos entregamos a cada palavra como se nela coubesse todo o mundo”, revelou Cuca.
Uma das músicas escolhidas é o samba-canção “Saia do caminho”, lançado por Aracy de Almeida em 1946, “como um lado B”, com melodia de Custódio Mesquita e “letra confessional e sofrida” de Evaldo Ruy, que foi interpretada por Cuca como “uma canção de poesia cantada”.
Sendo assim, Cuca Roseta estará entre algumas consagradas cantoras que interpretaram a icónica canção: Dalva de Oliveira, Zezé Gonzaga, Gal Costa, Nana Caymmi, Ângela Maria, Elza Soares, Rosa Passos, Olivia Byington, Verônica Sabino, Marisa Gata Mansa, Eliana Pittman, “para não falar da mais marcante, Miúcha, com o piano de Tom Jobim”.
Cuca confessou que gravar “Saia do caminho” é quase um “olá, estou chegando” para apresentar o novo trabalho. Para ela, a canção “representa o glorioso período do samba-canção — em termos conceituais e temáticos, não muito diferente dos dramáticos fados portugueses, também sobre desamores”.
Com a regravação de Cuca, “Saia do caminho” é redefinida: “em vez do piano jobiniano, o samba-canção é todo conduzido pelo acordeão de Marcelo Caldi, que fez um arranjo inédito para uma canção já gravada de tudo quanto é jeito”.
A faixa “Sem você” (1958), de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, representada no álbum na linhagem das canções “camerísticas” brasileiras, a cantora “palmilha a canção num registro cool, quase bossa-novista, sem qualquer perda de intensidade em sua interpretação. Em alguns momentos, até chega a sutis vibratos dramáticos do fado. É uma aula de música luso-brasileira, um diálogo entre seus dois estilos básicos”.
Em “Arranha-céu” (1937), de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa, com dueto de Cuca e o sambista brasileiro Zeca Pagodinho, definida como “seresta clássica” ganha uma “levada de fado” no arranjo de Marcelo Caldi, que “mistura um piano moderno com um acordeão nostálgico, como se a reunisse ‘Saia do caminho’ e ‘Sem você’, numa trilogia de canções de (des)amor”.
“Zeca Pagodinho é o Rei, assim o chamamos aqui em Portugal. Cantar com ele é inacreditável, principalmente Sílvio Caldas, algo tão profundo e triste. Presenciar Zeca contando essa história comigo é uma emoção única”, revela a cantora. A jornada pela música brasileira chega a 2024, em faixa que traz melodia de Zé Renato sobre letra da própria cantora, “Até a fé se esqueceu”, primeiro single do álbum, lançado em abril do ano passado.
“Essa canção de amor totalmente contemporânea, em letra e música, mereceu arrojado arranjo de violão de Marcelo Gonçalves (do Trio Madeira Brasil), executado por João Camarero, com participação vocal de Seu Jorge. Aqui é como se Cuca Roseta encontrasse a mais refinada e moderna música brasileira de hoje. Não por acaso, mas por sua grandeza, ‘Até a fé se esqueceu’ dá título ao álbum”.
Há outras paradas nessa viagem de Cuca Roseta pela canção brasileira. “História antiga” (1990), de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro, “é uma espécie de seresta moderna”. Bem como “Chama acesa” (2000), de Zé Renato (que participa nos vocais) e Paulinho Moska, que dialogam com os românticos sambas-choro dos anos 1940. “História antiga” está no “Brazilian Serenata”, de Dori e “Chama acesa”, em “Cabô”, disco só de sambas autorais de Zé Renato.
Cuca Roseta “visita dois estilistas inimitáveis da canção brasileira”: Dorival Caymmi, com “Não tem solução” (1950), um samba-canção, e “Dzarm” (1995), com “sua levada rítmica única, embora uma canção menos conhecida, também pode ser considerada um Jorge Ben Jor clássico”. Os arranjos são de Marcelo Caldi e “reinventados para este álbum a partir do estilo de seus compositores: com violão e bandolim de Pedro Franco e o baixo acústico de Guto Wirtti, dois virtuoses gaúchos radicados no Rio”.
Nesta viagem de Cuca Roseta pela canção brasileira, a grande corrente central da MPB se faz presente em “Mistérios”, de Maurício Maestro e Joyce Moreno, lançada no álbum “Clube da Esquina 2” de Milton Nascimento. A canção ganhou um arranjo de Marcelo Caldi para o piano e o acordeão do arranjador, o bandolim de Pedro Franco e o contrabaixo acústico de Guto Wirtti.