O filme traz vários significados se você abrir a mente”, é a fala do ator Anderson Kary-Bayá do longa ‘A Terra Negra dos Kawa’. Com a mistura de ficção científica, a trama traz o debate sobre a demarcação de terras indígenas e ocupações ilegais do território.As cenas do filme foram gravadas em Manaus e no Iranduba.
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A obra produzida por Sérgio Andrade, passou por festivais nacionais e internacionais, entre eles a Mostra de São Paulo e o Festival do Rio. O longa-metragem estreou em âmbito nacional na última quinta-feira (20).
O Vanguarda do Norte foi convidado para entrevistar parte do elenco da produção e o diretor, que nasceu em Manaus, e falaram sobre suas experiências de gravação.
No filme, um grupo de cientistas faz escavações em terrenos no interior do Amazonas em busca de uma terra preta fértil, usada para fins agrícolas. Conforme se aproximam do sítio dos indígenas Kawa, notam que a terra adquire poderes energéticos e sensoriais. Durante as cenas, há um entrosamento forte dos personagens com a terra preta.
Elenco
O personagem de Felipe Rocha é um cientista que possui uma relação com uma das filhas da família Kawa, e assim, a indígena oferece um pouco da terra para ele consumir. Ao ser questionado sobre a preparação para se mostrar entregue à terra, Rocha comenta que a experiência foi mais sensorial do que uma preparação prévia.
“É um jeito de olhar para o mundo que tem muito a ver com a cultura indígena. Estamos muito conectados com a terra e nós estamos tentando destruir o planeta. Os indígenas estão em uma concepção muito mais evoluída nesse sentido de desprender do material. Essa percepção de nós com a terra é uma experiência de vida para tentar entender.”, comenta o ator Felipe Rocha.
Marat Descartes interpreta outro cientista, no qual tenta se aproveitar da riqueza do solo e demarcar o território. As experiências do ator com a filmagem foram “mágicas”, segundo o próprio.
“Fiquei encantado com a energia do lugar. É um lugar mágico, senti outra atmosfera e tive esse contato com a família dos protagonistas. Ao longo desses seis anos, o saber dos povos originários é muito importante”, ressaltou.
Felipe Rocha já havia vindo a Manaus para participar de uma peça, porém para Descartes, foi sua primeira vez na capital amazonense e afirma a necessidade de procurar respostas sobre os sentidos da vida, nos povos originários.
“Há essa necessidade de sair do Sudeste e contar a história de direção e produção do Amazonas”, disse Felipe.
Ao ser questionado sobre o que é o ser amazônico, ambos os atores retratam o acolhimento e riqueza que a terra e as pessoas proporcionam.
“Uma experiência acolhedora”, diz Felipe. “Conforme vamos subindo ao Norte do Brasil, as pessoas são mais calorosas e receptivas”, finaliza Marat.
Produção
O filme foi gravado em 2017, em um período que as questões dos povos originários estavam sendo negligenciadas e em menor destaque na mídia. Com o passar do ano, o debate se tornou cada vez mais relevante, tendo em destaque um Ministério destinado aos Povos Originários no governo atual.
Nascido em Manaus, Sérgio Andrade é diretor, roteirista e produtor. Seus curtas “Um Rio Entre Nós” e “Cachoeira” receberam diversos prêmios e foram selecionados em festivais como Brasília, Clermont-Ferrand, Tiradentes, Cork, Toulouse, Miami, Recife, Barcelona, entre outros.
Além de colocar em pauta a questão indígena em seus filmes e ter muito bem selecionado as famílias que fazem parte, Sérgio também é um grande amador de ficção científica, e a iniciativa de mesclar as duas temáticas partiu de sua vivência em Manaus.
“Eu tinha uma relação muito estreita com cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), e eles me falaram muito sobre as pesquisas acerca da terra preta de índio, e descobri que era muito valiosa para agricultura. Ao continuar a pesquisa, percebi que eu podia fazer um filme de ficção daquilo.”, afirmou Andrade.
As filmagens também aconteceram em um sítio do Iranduba (a 39 km da capital), que era rico em terra preta. Além do poder agrícola, o diretor adicionou um poder telúrico, extrassensorial e de magia
Os Kawa
Sérgio Andrade criou uma nova etnia para o filme, os Kawa, de uma forma que homenageia todas as tribos. A representatividade indígena é o ponto forte da produção. Os Kawa são vividos por atores indígenas da mesma família -Severiano Kedassare, Emerlinda Yepario, e os filhos Kay Sara e Anderson Kary-Bayá – da etnia dos Tarianos.
A maior parte do filme utiliza a linguagem Tukano. Anderson Kary-Bayá comenta sobre a importância de roteiros assim, para seus parentes.
“Nós podemos mostrar sobre a terra, a terra preta que para nós tem outro significado, mas além disso, o filme mostra um outro lado do indígena.”.
Em muitas cenas de filmes nacionais e internacionais, a imagem passada do indígena é de um povo sofrido e dependente de apoio, porém, Kary-Bayá ressalta que o longa trouxe uma outra versão.
“O que a gente vê da cultura indígena é muito degradante, ver meus parentes serem expulsos das suas terras, ou estar morrendo de várias doenças por um fator humano, que é o garimpo, e o filme traz outra visão. Pois se a gente ficar só mostrando as questões desprezíveis, as pessoas vão pensar que o indígena é fraco, coitado e que precisa sempre do governo.”, completou Anderson.
“A Terra Negra dos Kawa” traz muitos elementos em suas cenas, tanto para quem quer enxergar só a parte científica, ou o lado dos povos ancestrais. O intuito é enxergar o verdadeiro significado da mãe terra, da relação do homem com o terreno, se tornando um só.
O filme também apresenta atores indígenas das etnias Saterés, Tikuna e Tukanos. A produção é da Rio Tarumã Filmes e a distribuição é da Livres Filmes.