O órgão brasileiro de defesa da concorrência, o Cade, se prepara para julgar sanções à Apple e ao Google por práticas anticoncorrenciais nas suas lojas de aplicativos, no que deve se transformar no primeiro confronto com empresas americanas empoderadas sob o governo Donald Trump.
Na próxima semana, o Cade fará uma audiência pública para ouvir as empresas do setor sobre a regulação de práticas comerciais. Procurada, a Câmara Brasileira de Economia Digital, que representa as big techs, não se manifestou.
Em outra frente, o governo Lula quer acelerar o envio de um projeto de lei para ampliar o poder do Cade e torná-lo o regulador do mercado de big techs, as gigantes globais da tecnologia, com a função de evitar práticas predatórias, ao limitar ou encarecer o acesso de consumidores a produtos e empresas.
Há seis processos em análise no Cade envolvendo as big techs. O primeiro da fila, com previsão para entrar na pauta de julgamentos ainda neste semestre, segundo apurou a reportagem, é um recurso da Apple contra a proibição imposta pelo órgão à cobrança de desenvolvedores de aplicativos que estão na Apple Store.
A investigação constatou que a empresa cobra 30% dos desenvolvedores de apps a título de taxa de solução de pagamentos, o que a Apple nega.
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Segundo a empresa, a comissão caiu e, em alguns programas, é de 15%. A Apple também alega que mantém um sistema de segurança de pagamentos que impede fraudes, permite cancelar compras e facilita a avaliação dos usuários.
No final de novembro, a Superintendência-Geral do Cade instaurou um processo administrativo contra a Apple a por práticas anticoncorrenciais, com base em uma queixa do Mercado Livre, e determinou que a Apple removesse restrições de meios de pagamento no sistema iOS e permitisse a compra de aplicativos fora de sua loja online.
Dez dias depois, a Justiça Federal do DF derrubou a medida preventiva, que considerou “desproporcional” e “desnecessária”. Diante dessa decisão favorável na Justiça, a Apple recorreu ao Cade para derrubar de vez a sanção. O recurso será levado a julgamento no tribunal do Cade, que também investiga prática semelhante adotada pelo Google na Play Store.
Desenvolvedores como a Match, dona do Tinder, e a Epic Games, dona do Fortnite, fizeram queixas ao Cade e ao Ministério da Fazenda contra práticas adotadas pelas lojas de aplicativos.
Os movimentos do Cade coincidem com o cerco que o governo Lula vem fazendo às big techs desde que a Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, anunciou que estava afrouxando a moderação de conteúdo.
A leitura do governo Lula é de que a falta de controle dará mais espaço a discursos de ódio e também à extrema-direita.
A regulação das big techs é assunto espinhoso, uma vez que Donald Trump se aproximou dos CEOs dessas empresas no atual mandato e pode retaliar caso o Brasil tente podar a atuação das empresas americanas.
A situação entre os dois países se tornou mais delicada após o presidente americano ter anunciado tarifas de 25% sobre aço e alumínio importados pelos EUA — decisão que atinge o Brasil, grande exportador de produtos siderúrgicos para os EUA.
O governo brasileiro ainda não se pronunciou sobre a medida.
Projetos de lei na mesa
Dois projetos de lei estão em discussão no governo. Um trata de moderação de conteúdo e outro, pilotado pelo Ministério da Fazenda, aborda as práticas comerciais das empresas.
Neste segundo tema, a proposta do time do ministro Fernando Haddad é transformar o Cade no regulador das big techs. O texto está em discussão na Casa Civil com apoio da Fazenda e tem sido objeto de reuniões internas.
A regulação da atuação comercial das big techs decorre de denúncias que têm chegado ao Cade há cerca de dois anos, feitas inclusive por empresas estrangeiras.
A alegação é que os países têm se movimentado para garantir que as empresas não abusem de sua dominância de mercado para dificultar o acesso de empreendedores ou de consumidores, o que poderia afetar a competição.
No caso do Brasil,a proposta da Fazenda, além de empoderar o Cade, é criar regras definidas previamente, de acordo com critérios como faturamento e a relevância em múltiplos mercados, para cada uma das grandes big techs.
Além de Apple e Google, estão na mira Meta, Amazon, Booking, ByteDance (TikTok) e Microsoft, consideradas “gatekeepers”, ou seja, funcionam como porta de entrada para empresas e consumidores ao mercado e, por isso, merecem ser reguladas.