Rolou uma química! Nem Madame Curie – pioneira nas pesquisas sobre a radioatividade – poderia imaginar dois elementos que se atraíssem tanto quanto os presidentes Lula e Donald Trump. Bastaram alguns segundos de proximidade para uma reação em cadeia potente, pelo menos no Brasil, especialmente em São Paulo, onde o Ibovespa logo aqueceu para fechar no maior patamar da história, com alta de 0,91%, aos 146.424,94 pontos, um ganho de 1.315,69 pontos. Pela primeira vez na história, o principal índice da Bolsa brasileira encerrou um pregão acima dos 146 mil.
E, pela primeira vez, o IBOV ultrapassou os 147 mil – durante um pregão regular –, já que na máxima bateu nos 147.178,47 pontos, o maior nível de todos os tempos. Como se vê, não há na tabela periódica dois elementos mais fortes do que esses dois presidentes nesta terça feira.
O real também agradeceu ao peso atômico do que aconteceu hoje: o dólar comercial acabou desvalorizando 1,10%, aos 5,279, depois que quatro sessões de alta. E os DIs (juros futuros) evaporaram por toda a curva tal como gases nobres.
Ibovespa reage positivamente a agenda intensa
O dia teve tanta coisa de peso que nem pareceu ser um dia só. Mas vamos lá, deixando o mais importante para o fim.
Para ganhar oxigênio, os investidores receberam logo cedo a Ata da reunião do Copom da semana passada. Nada de cortes por ora. Uma ata sem novidades e tão dura quanto o comunicado, segundo Rafaela Vitoria, economista-chefe do Inter: “essa postura é reforçada pelo comentário que o Copom não hesitaria em subir ainda mais os juros caso necessário”.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu entrevista de manhã cedo e tentou colocar cloro nessa água, dizendo que não é justificável a manutenção da Selic em 15%: “entendo que tem espaço para esse juro cair, eu acredito que nem deveria estar em 15%. Penso que o (Gabriel) Galípolo (presidente do Banco Central) vai chegar num momento em que ele vai juntar a diretoria e tomar essa decisão. Ele tem os quatro anos de mandato dele e ele, na minha opinião, vai entregar um resultado consistente para o Brasil”.
Lula e Trump na ONU
O foco, porém, estava mesmo na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, onde o presidente Lula falaria antes de Trump. Mais simples do que soletrar “tungstênio”, era saber que o presidente brasileiro subiria ao púlpito com o sangue fervendo para criticar Trump e sua política de tarifas, além da situação em Gaza e os ataques ao multilateralismo. Ele faz tudo isso e ainda deixou claro: “nossa democracia é inegociável”.
Após a fala do presidente brasileiro, veio a de Trump, que falou por meia hora, com discurso voltado para o seu eleitor americano.
Mas no final de sua fala, a química bateu. Disse que teve um “breve” encontro com Lula e que se abraçaram: “ele me parece um homem muito bom. Ele gostou de mim, eu gostei dele”. Trump salientou “só fazer negócios com quem gosta” e afirmou que ambos os líderes irão se encontrar “semana que vem”. O encontro logo foi confirmado pela diplomacia, provavelmente por telefone ou videoconferência.
Tudo isso foi o suficiente para as ações entrarem em combustão no Brasil. Os ativos subiram e expandiram como reação química instantânea. O dólar logo despencou. E destravou, pelo menos até aqui e no discurso e na promessa, uma possibilidade que não existia antes.
Fed fala sobre “situação desafiadora”
Trump, claro, tem outras ligas metálicas bem mais difíceis para desatar: perto do shutdown, governo Trump segue em silêncio sobre plano de contingência. O mandatário norte-americano, inclusive, falou grosso com o Congresso e recusou reunião com os democratas.
Para piorar, o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, pareceu mais pessimista do que de costume e colocou o peso atômico das ações nos EUA lá em cima: eles estariam “bastante valorizados”, mas acrescentou que não tem como meta “nenhum nível de preços para ativos financeiros específicos”.
O que pesou mais, entretanto, foi observar que a cadeia de átomos econômicos colocou os EUA em uma “situação desafiadora” para equilibrar inflação e emprego.
Os investidores não gostaram. Os principais índices, que vinham de uma sequência de recordes de altas, como acontece no Brasil, recuaram, em um misto de realização de lucros e decepção. Na Europa, ao contrário, os índices fecharam no azul.
Petrobras em alta
Em São Paulo, foi difícil ver ações no vermelho. Vale (VALE3) foi uma delas: menos 0,57%, com o minério de ferro caindo. A B3 (B3SA3) também recuou, com 1,19%.
A estreante do dia, a MBRF, junção entre Marfrig e BRF, perdeu amplos 6,72%. E a WEG cedeu 1,10%, procurando expandir atuação nos EUA.
Mas além da química Trump e Lula, o que elevou o Ibovespa foi a alta robusta de Petrobras, com mais 1,69%, na cola do avanço do petróleo internacional. E dos bancos, com quase todos subindo mais de 1%, e destaque para o Banco do Brasil, com mais 2,88%.
Gerdau mostrou a força do aço com alta de 0,72%, com analistas mantendo tom positivo, apesar do cenário desafiador.
A quarta-feira dificilmente terá a mesma energia calorífica desta terça-feira. Há alguns dados marginais nos EUA a serem divulgados, mas os desdobramentos da química Lula e Trump é que terão o foco dos investidores, que buscam entender mais sobre essa possível conversa. E torcem para que essa química continue dando liga