Toda recuperação judicial é dolorosa, mas o processo anunciado pela Gol tem um desdobramento adicional no mundo político. O problema financeiro da segunda maior companhia doméstica pode dificultar o plano do governo de tentar reduzir preços das passagens aéreas.
Até a semana passada, o foco do Palácio do Planalto estava no consumidor. Agora, a prioridade pode ter mudado: evitar problemas ainda maiores no setor.
A Gol é a segunda maior empresa aérea brasileira. Em 2023, a companhia fundada pela família Constantino teve 32,3% do mercado e carregou 29,5 milhões de passageiros, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Esse ranking é liderado pela Latam, que terminou o ano com 36,3% do mercado. Em terceiro, a Azul teve 30,5% do mercado doméstico. Juntas, as três carregaram 99% dos passageiros no Brasil.
É com essa trinca de empresas que o governo tem se reunido no esforço para tentar reduzir o preço das passagens.
Esse desejo, porém, esbarrou na realidade. Os mais de R$ 20 bilhões em dívidas da Gol levaram a empresa à Justiça dos Estados Unidos, onde a companhia conseguiu iniciar um processo de recuperação judicial.
A estratégia não é nova. A American Airlines e a Latam — só para citar duas — adotaram o mesmo plano para reorganizar as contas. Nesse processo, as empresas chamam os credores, propõem renegociação da dívida e vida que segue. Foi assim que as duas aéreas conseguiram deixar a recuperação judicial alguns anos depois.
Esse é o futuro mais esperado para a Gol: que a empresa consiga repactuar a dívida, reorganizar os pagamentos e deixar a recuperação judicial trimestres à frente. Foi assim com a Latam há apenas dois anos e poderia ser assim com a Gol.
No caso específico da Gol, analistas citam que a empresa tem — em tese — condições de se reerguer porque os números operacionais — que incluem receitas, custos e fluxo de caixa — são positivos. A crise financeira seria resultado principalmente da grande dívida contraída nos últimos anos.
Outro desfecho possível seria a consolidação. O jargão é usado pelos economistas para falar sobre a união das empresas. A discussão sobre juntar companhias é frequente no setor aéreo brasileiro.
E, nesse debate, a Azul sempre aparece como interessada. A empresa tentou ficar com a Avianca Brasil, que acabou encerrando os negócios. Alguns analistas acreditam que essa é uma possibilidade para a Gol nos próximos trimestres.
O avanço da conversa, porém, esbarra num problema operacional: a Azul usa majoritariamente modelos Airbus, enquanto a Gol tem apenas modelos Boeing na frota. Unir negócios com frotas tão diferentes é possível, mas não é barato. A Latam também basicamente só usa Airbus, e o problema se repete.
Independentemente do destino final dessa jornada, analistas e os próprios concorrente têm uma certeza: a Gol precisa continuar voando para ter fôlego para atravessar essa turbulência. Para isso, a promessa de empréstimo de quase R$ 5 bilhões obtido pela aérea é essencial.
A primeira parcela dessa operação — de US$ 350 milhões ou cerca de R$ 1,7 bilhão — foi liberada pela Justiça dos EUA.
“Com a aprovação, a Gol honrará todos os compromissos com parceiros de negócios e fornecedores de bens e serviços prestados a partir da data de início do processo em 25 de janeiro de 2024, além do pagamento de salários aos colaboradores”, diz a empresa.
Fonte: CNN