Manaus – Profundo conhecedor do modelo Zona Franca de Manaus, o vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM), Nelson Azevedo, nesta entrevista, fala sobre as perspectivas do modelo na Reforma Tributária em andamento no Congresso Nacional. Na oportunidade, Nelson Azevedo discorre sobre semicondutores, fabricação de componentes no Polo Industrial de Manaus (PIM), novas alternativas de desenvolvimento econômico para o Amazonas e defende o descontingenciamento dos recursos arrecadados pela ZFM ao longo de décadas, sempre retidos no Tesouro Nacional.
O economista Nelson Azevedo dos Santos lidera as Coordenadorias da FIEAM, preside do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Manaus (SIMMMEM) e coordena o Comitê de Apoio ao Desenvolvimento do Agronegócio no Amazonas. Também integra a diretoria da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM) é entidade integrante do Sistema Confederação Nacional da Indústria (CNI), que há 50 anos luta pelo fortalecimento da indústria do Amazonas.
Vanguarda do Norte – Em guerra comercial e tecnológica com a China, os EUA anunciam investimentos na produção de chips semicondutores no Brasil. O presidente Lula já tomou para si a questão e há a expectativa de a fábrica de semicondutores ser instalada em Manaus. Como o senhor analisa esse cenário?
Nelson Azevedo: Gostaríamos muito que uma fábrica de chips semicondutores fosse instalada no Brasil, e especialmente, no Polo Industrial de Manaus, porque esse segmento de microeletrônica de primeira linha contribui para o desenvolvimento tecnológico, traz crescimento econômico, contribui para a melhoria da balança comercial e impacta em aumento da eficiência em muitos setores da economia como a indústria automotiva, a saúde e a energia, entre outros, fazendo com que outros segmentos de máquinas e equipamentos possam se beneficiar desses processos tecnológicos que vêm embarcado na transferência da tecnologia.
VDN – Há um montante de 52 bilhões de dólares para investimentos em semicondutores. O presidente Lula está empolgado, mas os norte-americanos não querem que o Brasil venda chips para os chineses. O que o governo Lula tem que fazer para superar esse obstáculo?
NA – A demanda por chips é mundial e não apenas na China. É um componente básico para toda a indústria tecnológica que, cada vez mais, depende de semicondutores para incorporar em seus produtos e entregar ao consumidor uma experiência única. Dessa forma, o mercado é gigantesco e podemos enfrentar algumas restrições e alcançar o tão sonhado fornecimento de itens de alta tecnologia para as indústrias ao redor do planeta.
VDN – Será que os EUA estão apenas usando o Brasil de forma oportunista neste momento de guerra acirrada com a China ? Isso não é idêntico ao caso do incentivo à produção de borracha durante a Segunda Guerra só para contemplar interesses imediatistas dos aliados na guerra contra a Alemanha, pois depois que o conflito acabou, ninguém ligou mais para a borracha brasileira amazônica?
NA – Isso é difícil de se prever, porque a geopolítica mundial é muito dinâmica e as oportunidades devem ser avaliadas com cautela.
VDN – Muito se fala que a Zona Franca de Manaus precisa ser mais uma indústria de fabricação de componentes e menos indústria de montagem. O que o senhor acha desse argumento que, inclusive, é usado pelos “interesses” do Sudeste do País contra o nosso modelo?
NA – Sim, é verdade que muitas pessoas defendem que a Zona Franca de Manaus precisa se concentrar mais na fabricação de componentes do que na montagem de produtos finais. A razão para isso é que a montagem de produtos finais é uma atividade de menor valor agregado, enquanto a fabricação de componentes envolve um processo mais complexo e demanda um maior nível de conhecimento tecnológico. Ao focar mais na fabricação de componentes, a ZFM poderia se tornar mais competitiva e atrair investimentos de empresas que buscam um fornecedor confiável de componentes eletrônicos e outros produtos manufaturados.
A fabricação de componentes pode ajudar a aumentar a cadeia produtiva local, criando mais empregos e oportunidades para a região. No entanto, é importante lembrar que a mudança para a fabricação de componentes exige investimentos significativos em tecnologia e treinamento de mão-de-obra. Além disso, a ZFM também enfrenta desafios como a infraestrutura limitada e a concorrência de outras regiões e países.
Nelson Azevedo
VDN – A Zona Franca de Manaus sobrevive na reforma tributária que se discute no Congresso Nacional? Como fazer avançar propostas que garantam a preservação do modelo?
NA – A reforma tributária é o assunto que mais nos preocupa e ao mesmo tempo une o Governo do Estado, Prefeitura de Manaus, entidades de classe, empresários e a bancada federal do Amazonas no Congresso Nacional. É um tema que pode ferir de morte o projeto ZFM e trazer retrocessos irreversíveis ao desenvolvimento regional. Esse é um tema que estamos acompanhando de perto com lupa para assegurar o diferencial competitivo aos produtos fabricados no Polo Industrial de Manaus. Somos favoráveis a simplificação dos tributos, mudança de nomenclatura, mas não podemos permitir revés na atratividade dos investimentos na região.
Nelson Azevedo
VDN – Não há na Constituição brasileira um dispositivo que compense a ZFM por ser um modelo de desenvolvimento econômico-industrial limpo, que gera riquezas sem depredar a floresta. Logo, não é hora de o Amazonas emplacar esse dispositivo verde na Carta Magna aproveitando a atual discussão envolvendo a reforma tributária?
NA – Acredito que os dispositivos constitucionais existentes na Carta Magna são suficientes para assegurar as defesas jurídicas de preservação da atratividade do projeto ZFM. Ao invés de tentar emplacar novas garantias, devemos nos concentrar na defesa das conquistas que já temos. A ZFM é importante para o Brasil e o consumidor brasileiro precisa ser melhor informado dos benefícios financeiros que são transferidos ao seu bolso graças a produção dos produtos de consumo serem produzidos em solo amazonense.
VDN – Na sua opinião, como o Amazonas pode buscar alternativas à ZFM sem uma política de regularização fundiária adequada, sem um plano de zoneamento econômico-ecológico amplo e urgente?
NA – A ZFM tem sido uma importante fonte de desenvolvimento econômico para a região amazônica, mas é importante que haja uma busca por alternativas sustentáveis e economicamente viáveis para complementar o Polo Industrial de Manaus. No entanto, para que isso aconteça, é necessário que haja políticas públicas adequadas que garantam a regularização fundiária e o zoneamento econômico-ecológico da região. Sem isso, pode ser difícil implementar alternativas sustentáveis que protejam o meio ambiente e garantam o desenvolvimento econômico da região. Um plano de zoneamento econômico-ecológico amplo e urgente poderia ajudar a identificar as áreas mais apropriadas para diferentes tipos de atividades econômicas, levando em consideração fatores ambientais e sociais. Ao mesmo tempo, uma política de regularização fundiária poderia ajudar a resolver conflitos fundiários e garantir o acesso à terras para atividades econômicas sustentáveis.
Algumas alternativas à ZFM podem incluir o desenvolvimento de setores como o turismo ecológico, a agricultura sustentável e a produção de bioprodutos, entre outros. No entanto, para que essas alternativas sejam viáveis, é necessário garantir que haja uma infraestrutura adequada, políticas públicas claras e uma base sólida para o desenvolvimento sustentável da região.
Nelson Azevedo
VDN – O que o senhor acha do Amazonas iniciar uma nova luta pelo descontingenciamento dos recursos arrecadados pela ZFM, mas há décadas retidos no Tesouro Nacional?
NA – Essa é uma reivindicação antiga nossa, porque os recursos provenientes da atividade econômica e das taxas de serviços administrativos recolhidos aqui na região deveriam ser revertidos para resolver os gargalos de infraestrutura logística e de comunicação, e aumentar a competitividade da indústria, comércio e serviços na região. Esse é um dos erros estratégicos do Governo Federal que deveria ser revisto.