A comercialização de animais silvestres na tradicional Feira do Açaí, em Cametá, Nordeste do Pará, gerou preocupação entre moradores e especialistas. No último sábado (5), diversos exemplares de mucura — conhecida popularmente como gambá — foram colocados à venda por cerca de R$ 30 cada.
A prática, comum em comunidades ribeirinhas da região, chamou a atenção desta vez pela quantidade de animais expostos. “Estranhei foi a quantidade, pois geralmente tem apenas uma ou duas, e dessa vez eram várias”, relatou um morador da cidade, que preferiu não se identificar.
Diante da repercussão do caso nas redes sociais, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), por meio da 1ª Promotoria de Justiça de Cametá, instaurou um Procedimento Administrativo para apurar as denúncias de comercialização ilegal do gambá-de-orelha-preta, também como conhecido como saruê, mucura ou timbu. O objetivo é fiscalizar ações do poder público municipal voltadas à proteção ambiental e à saúde pública.
O promotor de Justiça Gerson Alberto de França determinou a notificação da Vigilância Sanitária Municipal, da Secretaria de Saúde e da Procuradoria-Geral do Município para realizarem fiscalizações nos locais.
O MPPA também requisitou, no prazo de 30 dias, informações detalhadas sobre ações de controle sanitário e ambiental realizadas no último ano, incluindo eventuais apreensões e sanções.
Apesar de ser parte da culinária de populações tradicionais, a venda aberta e sem fiscalização de carne de animal silvestre configura crime ambiental, conforme a Lei 9.605/98. O artigo 29 da legislação prevê pena de seis meses a um ano de detenção e multa para quem comercializa fauna silvestre sem autorização.
Segundo o biólogo Wanderson Gonçalves, a prática, além de ilegal, oferece sérios riscos à saúde pública. “Essas carnes não passam por inspeção sanitária, o que compromete a segurança alimentar. Podem estar contaminadas com agentes causadores de zoonoses ou provocar intoxicação devido ao mau acondicionamento do alimento”, alerta.
Riscos à saúde e ao meio ambiente
O especialista explica que a mucura pode transmitir doenças como leptospirose, verminoses e até raiva.
“Mesmo cozida, a carne pode conter cistos ou ovos de parasitas que sobrevivem a temperaturas inadequadas. O manuseio sem higiene também pode contaminar outros alimentos, como peixes ou frutas”, afirma.
Além dos riscos sanitários, a caça excessiva da espécie afeta o equilíbrio ecológico da região. A mucura desempenha funções importantes no meio ambiente, como o controle de insetos e roedores, dispersão de sementes e consumo de matéria orgânica em decomposição.
“Apesar da imagem negativa que algumas pessoas têm da mucura, ela é essencial ao equilíbrio ecológico. A caça e o consumo irresponsável afetam esse equilíbrio e podem facilitar o surgimento de doenças de origem animal”, acrescenta Wanderson.
Crime ambiental
Procurada pela CNN, a Polícia Civil informou, por meio de nota, que não houve registro da ocorrência na delegacia de Cametá até o momento.
A corporação reiterou que a venda de animais silvestres sem autorização dos órgãos competentes é crime ambiental, conforme previsto em lei.
A Prefeitura de Cametá e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente também foram acionadas pela reportagem para saber sobre a fiscalização em feiras e mercados da cidade, mas até o momento da publicação não deu retorno.