A tensão comercial entre Estados Unidos e China parece ter encontrado uma trégua temporária. Depois de uma sexta-feira (10) de fortes turbulências nos mercados — quando Donald Trump anunciou tarifas de 100% sobre produtos chineses e novos controles de exportação — o presidente norte-americano adotou um tom mais conciliador ao longo do fim de semana.
Em declarações recentes, o republicano afirmou que “os Estados Unidos não querem prejudicar a China”, sinalizando abertura ao diálogo.
O gesto foi reforçado pelo secretário do Tesouro, Scott Bessent, que confirmou a existência de “comunicações substanciais” entre os dois governos e ressaltou que as tarifas só entrariam em vigor em 1º de novembro, o que dá margem para uma negociação diplomática.
O resultado imediato foi um alívio nos mercados globais nesta segunda-feira (13), com o dólar abrindo os negócios em baixa e o apetite por ativos de risco voltando a crescer, refletindo a expectativa de que o impasse possa ser resolvido antes do prazo final.
Inclusive, segundo Bessent, ainda há possibilidade de um encontro entre Trump e Xi Jinping na Coreia, o que reacende a chance de uma solução política para a crise.
Por que a China decidiu limitar o envio de terras raras?
Apesar do tom mais brando de Washington, a essência da disputa permanece. A China segue firme na decisão de restringir as exportações de terras raras, minerais críticos para a indústria de semicondutores, veículos elétricos e armamentos.
Em comunicado oficial, o Ministério do Comércio chinês reiterou que os controles são “legítimos e proporcionais”, adotados “em conformidade com a lei e com compromissos internacionais”.
Declarações do porta-voz do Ministério para o China Daily e a agência Xinhua, veículos controlados pelo governo, reforçam que “os controles de exportação da China não são proibições de exportação” e que as “licenças continuarão a ser concedidas para pedidos que atendam aos requisitos.”
O professor Marcus Vinícius de Freitas, da Universidade de Relações Exteriores da China, explica que a medida é uma reação simétrica às restrições impostas pelos Estados Unidos, que vêm ampliando o conceito de segurança nacional para justificar barreiras contra produtos e empresas chinesas.
“Eles (os chineses) não aplicam tarifas integrais como os americanos, mas escolhem setores estratégicos — e as terras raras são um deles”, analisa Freitas.
Para o professor, está claro que Pequim não está impondo um bloqueio, mas exigindo uma requalificação das empresas estrangeiras que compram os minerais. Por isso, será necessário comprovar o uso final das matérias-primas — especialmente quando houver aplicações sensíveis, como armamentos, semicondutores e inteligência artificial.
Pequim também passou a exigir licenças adicionais para companhias que atuam como intermediárias na compra, inclusive de países terceiros, numa tentativa de evitar triangulações que contornem o controle chinês.
Quem perde mais nessa disputa?
Os Estados Unidos continuam altamente dependentes da China no fornecimento de terras raras.
De acordo com a IEA (Agência Internacional de Energia), o país asiático responde por mais de 90% da produção global desses minerais.
Esse domínio dá a Pequim um poder de influência comparável ao da Opep durante a crise do petróleo dos anos 1970 — e coloca em xeque a indústria tecnológica e bélica norte-americana.
“Para os chineses, não faz sentido vender metais estratégicos para um país que é o principal fornecedor de armas do mundo”, observa Freitas que diz ainda que o governo chines entende que estava, de certa forma, alimentando a própria indústria bélica dos Estados Unidos.
Foi a limitação imposta por Pequim que provocou a forte reação nos mercados na última sexta-feira (10).
As ações de grandes empresas de tecnologia americanas despencaram, refletindo o temor de uma interrupção nas cadeias de suprimentos e de uma escalada tarifária com efeitos sobre o custo da inovação.
A retórica da segurança nacional
Pequim acusa Washington de usar o discurso da “segurança nacional” de forma seletiva — e de empregar o comércio como instrumento político.
Segundo o Ministério do Comércio da China, os EUA vêm “ampliando indevidamente o conceito de segurança”, abusando de medidas unilaterais e impondo sanções extraterritoriais que prejudicam o ambiente das negociações.
Essa crítica reflete um ponto sensível para a diplomacia chinesa: quando os EUA restringem exportações, alegam proteção estratégica; quando a China faz o mesmo, é acusada de prática coercitiva.
“O governo Trump negocia algumas coisas e, depois, volta a impor restrições unilaterais”, lembra o especialista. “É uma postura performática, que contrasta com a serenidade que a China tenta transmitir ao mundo”, conclui o professor.
O impacto global e o que esperar daqui para frente
O impasse sobre as terras raras reacende um dos capítulos mais complexos da disputa sino-americana: o controle sobre insumos críticos da economia verde e digital.
Se mantidas, as restrições chinesas podem encarecera produção de veículos elétricos, turbinas eólicas, celulares e equipamentos militares, elevando custos em cadeias que são globais e interdependentes.
Por outro lado, a mudança de tom de Trump e as declarações de Bessent trouxeram algum alívio para os investidores nesta segunda-feira. A percepção agora é de que a tarifa de 100% pode não se concretizar — e que há espaço para uma solução negociada.
Mas o professor Freitas alerta: “quanto mais Trump tenta isolar a China, mais ele reforça a narrativa de Pequim de que o verdadeiro risco à estabilidade global vem da imprevisibilidade americana”.
Com o dólar em queda e os mercados reavaliando o risco de ruptura nas cadeias de tecnologia, o foco dos próximos dias estará na diplomacia.
Caso o encontro entre Trump e Xi Jinping se confirme na Coreia, o mundo pode assistir a uma reaproximação calculada — ou a mais um capítulo de uma guerra comercial que insiste em não ter fim.