A Ucrânia realizou um ousado ataque com drones contra a frota de aeronaves estratégicas da Rússia, deixando uma questão em aberto: como Moscou responderá a essa nova ofensiva?
Até o momento, o governo russo se manteve em silêncio, afirmando apenas que aguarda os resultados de uma investigação formal sobre os ataques, que atingiram bases aéreas a milhares de quilômetros da fronteira com a Ucrânia.
Mas a fúria está sendo abertamente expressa na mídia russa, com especialistas e blogueiros pró-Kremlin pedindo represália, até mesmo uma retaliação nuclear.
“Isso não é apenas um pretexto, mas um motivo para lançar ataques nucleares contra a Ucrânia”, avaliaram os proeminentes blogueiros “Two Majors” em seu popular canal do Telegram, que tem mais de um milhão de inscritos.
“Depois da nuvem em forma de cogumelo, você pode pensar em quem mentiu, cometeu erros e assim por diante”, acrescentaram, referindo-se à inevitável busca do Kremlin por bodes expiatórios.
Além disso, popular blogueiro Alexander Kots exigiu que a Rússia “atacasse com todas as nossas forças, independentemente das consequências”.
Ainda assim, um proeminente analista político russo, Sergei Markov, pediu cautela, alertando em uma publicação nas redes sociais que o uso de armas nucleares “levaria a um verdadeiro isolamento político”.
É claro que a “linha dura” russa clama rotineiramente pela destruição da Ucrânia com armas nucleares, enquanto emite ameaças veladas, mas em última análise vazias, de um Armagedom contra os aliados ocidentais.
O fato de estarem fazendo isso novamente, após uma série de ataques tão danosos, não é surpreendente. Mas seria errado ser complacente demais e descartar toda a ameaça nuclear russa como mera propaganda.
Na verdade, existem alguns motivos preocupantes para levar a pequena possibilidade de uma resposta russa devastadora um pouco mais a sério desta vez.
Em primeiro lugar, vários especialistas russos comentaram sobre como a destruição de um número significativo de bombardeiros nucleares estratégicos russos pela Ucrânia pode ser interpretada como uma violação do limite legal de Moscou para uso de armas nucleares.
A doutrina nuclear recentemente atualizada do Kremlin – que estabelece as condições para uso de armas do tipo – afirma que qualquer ataque a uma infraestrutura militar “criticamente importante” que “interrompa as ações de resposta das forças nucleares” pode desencadear uma retaliação nuclear.
A operação ucraniana é “motivo para um ataque nuclear”, declarou Vladmir Solovyov, um apresentador da TV estatal russa, convocando ataques ao gabinete presidencial ucraniano em Kiev e além.
Kremlin deve autorizar uso de armas nucleares?
Independentemente da legalidade, a barreira para uma resposta nuclear russa permanece alta, e tal ataque provavelmente será descartado nos círculos do Kremlin como um exagero impraticável.
Para começar, isso prejudicaria as relações com os principais parceiros comerciais russos, como China e Índia, além de provocar uma potencial ação militar contra as forças russas.
As inevitáveis baixas em massa certamente atrairiam o desprezo universal, isolando ainda mais a Rússia no cenário internacional.
Mas aqui está o problema: o Kremlin pode agora sentir uma pressão avassaladora para restaurar a dissuasão — capacidade de influenciar adversários a não tomarem determinadas medidas.
Não foram apenas os recentes ataques de drones ucranianos, no interior da Rússia, que humilharam Moscou.
Pouco depois, a Ucrânia realizou mais um ataque ousado à estratégica ponte de Kerch, que liga a Rússia à Crimeia – a terceira vez que a vital ligação rodoviária e ferroviária foi atingida.
A captura da região de Kursk, no oeste da Rússia, pelas forças ucranianas no ano passado foi outro golpe poderoso, deixando o Kremlin em dificuldades para libertar seu próprio território.
Enquanto isso, ataques semanais, senão diários, de drones à infraestrutura energética e aos aeroportos russos continuam causando perturbações generalizadas longe das linhas de frente.
Ao mesmo tempo, os aliados da Ucrânia vêm gradualmente suspendendo as restrições ao uso de armas fornecidas pelo Ocidente contra a Rússia, desafiando ainda mais o que antes se acreditava serem as “linhas vermelhas” de Moscou.
Ainda assim, alguns duvidam que o Kremlin esteja inclinado para responder de forma decisiva. Mas, então, como poderia ser essa resposta?
Um ex-ministro russo disse à imprensa que a resposta mais provável de Moscou seria mais ataques “bárbaros” com mísseis convencionais e drones contra cidades ucranianas, do tipo que o povo ucraniano já sofre há anos.
“Não há outra saída, porque a Rússia não tem capacidade para lançar uma ofensiva militar massiva. Eles não têm pessoal suficiente para isso”, avaliou Vladimir Milov, ex-vice-ministro da Energia que agora vive fora da Rússia.
“As pessoas falam sobre o potencial uso de armas nucleares e assim por diante. Não acho que isso esteja em pauta. Mas, novamente, Putin demonstrou muitas vezes que está recorrendo à barbárie e à vingança”, adicionou.
Em outras palavras, é altamente improvável, mas o uso de armas nucleares pela Rússia não pode ser totalmente descartado.
O conflito na Ucrânia já tomou várias reviravoltas inesperadas, incluindo a própria invasão russa em larga escala em 2022.
E enquanto a Ucrânia e seus apoiadores comemoram os sucessos impressionantes das recentes operações militares, cutucar um urso russo humilhado e ferido pode ter consequências perigosas e assustadoras.