Na Argentina, o governo do presidente Javier Milei sofreu um revés no Congresso com o retorno do megaprojeto de lei às comissões da Câmara na terça-feira (6).
Após isso, Milei publicou uma mensagem em sua conta no X, na qual afirmou: “Vamos continuar com o nosso programa com ou sem o apoio da liderança política que destruiu nosso país”.
A frase retomou uma ideia para a qual o chefe de Estado havia apelado durante a campanha eleitoral e em uma entrevista recente à LN+, na qual pontuou que, no caso de iniciativas como o megaprojeto serem rejeitadas pela Justiça ou pelo Congresso, o seu governo poderia convocar um plebiscito ou consulta popular.
O que é um plebiscito?
A consulta popular, também chamada plebiscito, é um mecanismo constitucional que apela à participação da população para definir sobre um projeto de lei em particular. Isso está na legislação nacional argentina, na lei 25.432.
Entre as disposições comuns de toda consulta popular, a lei estipula que a convocatória deverá conter o texto integral do projeto de lei ou decisão política da qual é objeto, bem como uma pergunta que só pode ter como resposta: sim ou não.
“Dado o convite, todos os pontos submetidos a consulta popular deverão ser difundidos de forma clara e objetiva, por meios gráficos e televisivos”, acrescenta o Artigo 10, no Título 3 da legislação.
Entretanto, a lei faz uma distinção importante para este tipo de mecanismo: a consulta popular vinculativa e a não vinculativa.
Consulta popular vinculativa
A consulta popular vinculativa só poderá ser convocada pelo Congresso, devendo ser tratada em uma sessão especial e aprovada pelo voto da maioria absoluta dos presentes em ambas as câmaras.
Neste caso, o voto popular será obrigatório, e o resultado dessa consulta será válido se for aprovado com pelo menos 35%.
“Quando um projeto de lei for submetido a consulta popular vinculativa e obtiver a maioria de votos válidos afirmativos, tornar-se automaticamente lei, a que deverá ser publicada no Diário Oficial da Argentina dentro dos dez dias úteis seguintes à proclamação do resultado da eleição pela autoridade eleitoral”, acrescenta a legislação.
Se um projeto de lei for submetido a uma consulta vinculativa e for rejeitado, não poderá ser submetido a um mecanismo semelhante nos dois anos seguintes.
Além disso, o artigo 40º da Constituição Nacional, incorporado em 1994, confere uma prerrogativa importante à Câmara dos Deputados ao poder convocar uma destas iniciativas e que, caso seja aprovada pelos cidadãos, não pode ser vetada pelo presidente.
Como o partido do presidente Milei é uma das forças minoritárias em ambas as câmaras do Congresso, a consulta vinculativa seria politicamente improvável para o governante.
No entanto, na quarta-feira (8) o deputado Gerardo Milman, do partido PRO, do ex-presidente Mauricio Macri, apresentou a título pessoal um projeto de lei para a convocação de uma “Consulta Popular Vinculante” para pôr em consideração a “lei ônibus”.
Nos fundamentos do projeto, Milman expressa: “Deixemos que a população se expresse, apesar de que já o fez em novembro do ano passado. Se os legisladores estão ou não à altura das circunstâncias, temos de saber”.
“Confiemos e permitamos que a população se expresse, assim tomaremos o pulso da vontade cidadã e veremos se os legisladores estamos ou não à altura das circunstâncias que a emergência exige”, adiciona.
Para que a iniciativa seja aprovada, Milman precisaria de uma maioria dos votos de seus colegas.
Consulta popular não vinculativa
A consulta não vinculativa é uma prerrogativa do Poder Executivo e sua convocação deve ser feita através de um decreto aprovado por todos os ministros do gabinete. Esta seria uma opção com mais possibilidades à qual Milei poderia recorrer.
Pode ser objeto de consulta não vinculativa “qualquer assunto de interesse geral para a Nação, com exceção dos projetos de lei cujo procedimento de sanção se encontre especialmente regulado pela Constituição Nacional, pela determinação da câmara de origem ou pela exigência de uma maioria qualificada para aprovação”, segundo a lei 25.432.
Além disso, neste tipo de consulta popular, o voto dos cidadãos não é obrigatório.
“Quando um projeto de lei submetido à consulta popular não vinculante, e obtenha o voto favorável da maioria absoluta de votos válidos emitidos, deverá ser tratado pelo Congresso da Nação, sendo automaticamente incorporado no plano de trabalho parlamentar da Câmara dos Deputados”, indica a legislação.
Mesmo no caso de ser aprovado por maioria, um mecanismo deste tipo também não parece servir ao presidente Milei para avançar na “lei ônibus”.
No entanto, poderia funcionar como um indicador do apoio cidadão ao projeto do governante, independentemente dos riscos que implicaria uma derrota e do gasto em que incorreria o governo em um contexto de busca do “déficit zero”.
Antecedente e diferenças com a atualidade
O antecedente imediato na história argentina de um plebiscito não vinculante foi o convocado pelo presidente Raúl Alfonsín em 1984, em relação a uma proposta de paz com o Chile, referente à questão do canal Beagle.
A iniciativa do também dirigente do partido União Cívica Radical (UCR) era rara, pois convocava a população a definir sobre um conflito internacional, explica em um artigo a pesquisadora do Conicet María Cecilia Miguez.
Alfonsín contava com os mecanismos institucionais para assinar com o Chile um acordo de paz, como o fez uma vez que a população aprovou a iniciativa por ampla maioria.
Nesse caso, o presidente procurava contar com o apoio da população numa matéria sensível. Neste momento, Milei procuraria com a consulta um mecanismo para contornar a oposição que encontrou em um Congresso onde é minoria.
Com informações CNN.