As universidades australianas podem perder financiamento se não forem consideradas empenhadas o suficiente para combater os crimes de ódio contra os judeus. A medida faz parte de um pacoto proposto pela primeira enviada contra o antissemitismo do país.
Jillian Segal foi nomeada para o cargo há um ano diante do aumento nos relatos de ataques contra locais e propriedades judaicas na Austrália, em meio aos bombardeios israelenses em Gaza, e foi encarregada de combater o antissemitismo no país.
Ao lado do primeiro-ministro Anthony Albanese, nesta quinta-feira (10), Segal divulgou um relatório elaborado há nove meses, propondo medidas enérgicas, incluindo as ameaças de financiamento às universidades e a triagem de solicitantes de visto por opiniões extremistas.
“O plano não visa um tratamento especial para uma comunidade; trata-se de restaurar a igualdade de tratamento”, disse Segal. “Trata-se de garantir que todos os australianos, independentemente de sua origem ou crença, possam viver, trabalhar, aprender e prosperar neste país.”
Assim como nos Estados Unidos, os campi universitários australianos já foram o centro de protestos pró-palestinos. Estudantes montaram tendas exigindo medidas para impedir o ataque de Israel a Gaza.
Os protestos nos campi universitários diminuíram depois que as restrições foram reforçadas e alguns manifestantes foram ameaçados de expulsão, uma medida condenada pelos ativistas como uma violação da liberdade de expressão.
O relatório de Segal afirmou que o antissemitismo se tornou “arraigado e normalizado” no meio acadêmico e nos cursos universitários, bem como nos campi, e recomendou que as universidades sejam submetidas a boletins anuais que avaliem sua eficácia no combate ao antissemitismo.
O diretor executivo da Universities Australia, Luke Sheehy, afirmou que a organização vem trabalhando “construtivamente” com a enviada especial e que seus membros “considerariam as recomendações”.
“A liberdade acadêmica e a liberdade de expressão são essenciais para a missão da universidade, mas devem ser exercidas com responsabilidade e nunca como disfarce para ódio ou assédio”, afirmou ele em um comunicado.
Aumento do antissemitismo
Os ataques antissemitas na Austrália aumentaram 300% no ano seguinte à invasão israelense de Gaza em outubro de 2023.
Só na semana passada, a porta de uma sinagoga foi incendiada em Melbourne, forçando 20 pessoas a fugirem por uma saída traseira, enquanto manifestantes próximos, gritando “Morte às Forças de Defesa de Israel” invadiram um restaurante israelense.
Um homem está enfrentando acusações de incêndio criminoso pelo ataque à sinagoga, e três pessoas foram indiciadas na terça-feira (8) por agressão, desordem e danos criminais pela invasão ao restaurante.
O Conselho Executivo do Judaísmo Australiano, a organização que reúne centenas de grupos comunitários judaicos, afirmou que a divulgação do relatório “não poderia ser mais oportuna, dados os recentes eventos terríveis em Melbourne”.
No entanto, o Conselho Judaico da Austrália, que se opõe à guerra de Israel em Gaza, expressou preocupação com o plano de Segal e o comparou às tentativas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de usar o financiamento como forma de controle sobre as instituições.
Em um comunicado, o conselho criticou a “ênfase do plano na vigilância, censura e controle punitivo sobre o financiamento de instituições culturais e educacionais”, acrescentando que eram “medidas retiradas diretamente do manual autoritário de Trump”.
Max Kaiser, diretor executivo do grupo, afirmou: “Qualquer resposta que trate o antissemitismo como excepcional, ignorando a islamofobia, o racismo antipalestino e outras formas de ódio, está fadada ao fracasso”.
Educação, imigração e artes
O plano de 20 páginas da enviada contra o antissemitismo inclui recomendações que abrangem escolas, imigração, mídia, policiamento e campanhas de conscientização pública.
Segal quer que a educação sobre o Holocausto seja incorporada ao currículo nacional “como um importante estudo de caso sobre as consequências do antissemitismo desenfreado”, segundo o relatório.
Organizações artísticas podem estar sujeitas às mesmas restrições que as universidades, com ameaças de cortar o financiamento público caso seja descoberto que elas se envolveram ou facilitaram o antissemitismo.
“Embora a liberdade de expressão, particularmente a expressão artística, seja vital para a riqueza cultural e deva ser protegida, o financiamento fornecido pelos contribuintes australianos não deve ser usado para promover divisões ou disseminar narrativas falsas/distorcidas”, afirma o relatório.
Segundo as recomendações, uma triagem imigratória mais rigorosa eliminaria pessoas com visões antissemitas, e a Lei de Migração permitiria que as autoridades cancelassem vistos por conduta antissemita.
A mídia seria monitorada para “incentivar reportagens precisas, justas e responsáveis” e para “evitar aceitar narrativas falsas ou distorcidas”, acrescentou o relatório.
Durante a coletiva de imprensa desta quinta-feira (10), Albanese mencionou uma entrevista na emissora nacional do país com um manifestante, dizendo que o entrevistado tentou justificar o ataque ao restaurante de Melbourne.
“Não há justificativa alguma para isso”, disse ele. “A ideia de que, de alguma forma, a causa da justiça para os palestinos é promovida por esse tipo de comportamento não é apenas ilusória, é destrutiva e não condiz com a forma de expor opiniões respeitosamente em uma democracia”, disse ele.
Questionado se o país havia se tornado menos tolerante a diferentes opiniões e, talvez, perdido a capacidade de debater, Albanese apontou para as mídias sociais.
“Acredito que há um impacto das mídias sociais, onde algoritmos trabalham para reforçar as opiniões das pessoas”, disse ele. “Eles reforçam opiniões e empurram as pessoas para extremos, seja extrema esquerda ou extrema direita. Os australianos querem um país que esteja no centro.”
O Grok, o chatbot de inteligência artificial do X, foi criticado por disseminar mensagens antissemitas. A empresa afirmou estar “trabalhando ativamente para remover” o conteúdo.
Albanese disse, em relação às opiniões antissemitas, que “as mídias sociais têm uma responsabilidade social e precisam ser responsabilizadas”.
Questionado se os protestos anti-Israel estavam alimentando os ataques antissemitas, o primeiro-ministro disse que as pessoas deveriam poder expressar suas opiniões sem recorrer ao ódio.
“Em Israel, como democracia, há protestos contra as ações do governo e, em uma democracia, você deveria poder expressar sua opinião aqui na Austrália sobre eventos no exterior”, disse ele. “O limite foi ultrapassado ao culpar e identificar pessoas por serem judias.”