Imagine a cena, ao meio-dia de 20 de janeiro, na frente oeste do Capitólio dos Estados Unidos. Enquanto Donald Trump jura preservar, proteger e defender a Constituição no mesmo local onde seus apoiadores se revoltaram há quatro anos, um convidado vip extraordinário observa, ofuscando ex-presidentes, militares e membros do Congresso.
Empacotado para afastar o frio do inverno está Xi Jinping, o líder da China – o país que quase todo mundo no evento vê como uma ameaça existencial ao domínio da superpotência dos EUA, à medida que a guerra fria do século XXI acelera.
É uma imagem fantástica, porque mesmo antes de fontes confirmarem, na quinta-feira (12), que Xi não iria comparecer, era óbvio que não poderia ir.
Apesar do convite impressionante de Trump ao líder do Partido Comunista Chinês para uma segunda posse, ele espera transformar isso em uma declaração global.
Fazer Xi voar pelo mundo seria um golpe enorme para o presidente eleito — um fato que tornaria isso politicamente inviável para o líder chinês.
Tal visita colocaria o presidente chinês na posição de prestar homenagem a Trump e ao poderio americano — o que entraria em conflito com sua visão para a China assumir um papel legítimo como uma potência global proeminente.
Na cerimônia de posse, o líder chinês seria forçado a sentar e ouvir o republicano sem ter nenhum controle sobre o que o novo presidente poderia dizer, sem direito de resposta. A presença de Xi também seria vista como um endosso a uma transferência democrática de poder.
Ainda assim, mesmo sem uma resposta favorável, o convite marca um desenvolvimento significativo que lança luz sobre a confiança e ambição do presidente eleito enquanto ele exerce poder antes de seu segundo mandato.
A equipe de imprensa cobrindo Trump relatou que ele também tem perguntado a outros líderes mundiais se querem ir à posse — em uma ruptura com a convenção.
Este é um lembrete do gosto do republicano pela política externa, por grandes gestos e sua disposição de atropelar códigos diplomáticos com sua abordagem imprevisível.
O convite ao chinês também mostra que o americano acredita que a força de sua personalidade sozinha pode ser um fator decisivo para forjar avanços diplomáticos.
Ele está longe de ser o único presidente a seguir essa abordagem — que raramente funciona, já que adversários hostis dos EUA fazem escolhas duras com base no interesse nacional em vez de vibrações.
O convite do presidente eleito é ainda mais interessante porque ele passou as últimas semanas moldando uma equipe de política externa que é profundamente agressiva em relação à China, incluindo sua escolha para secretário de Estado, o senador da Flórida Marco Rubio, e para conselheiro de segurança nacional, o deputado da Flórida Mike Waltz, que veem a China como uma ameaça multifacetada aos Estados Unidos, economicamente, em alto mar e até mesmo no espaço.
“Este é um movimento muito interessante de Trump que se encaixa muito bem com sua prática de imprevisibilidade. Não acho que ninguém esperava isso”, explicou Lily McElwee, vice-diretora e membro da Cátedra Freeman em Estudos da China no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS).
Relação EUA X China
O contato entre os líderes ocorre à medida que aumentam as expectativas de que as tensas relações EUA-China ficarão ainda piores na próxima administração, com autoridades determinadas a desenvolver uma abordagem rígida, adotada pela administração Biden, que se baseou em um endurecimento da política durante o primeiro mandato de Trump.
Os rivais estão em desacordo sobre Taiwan, uma democracia insular que a China considera parte de seu território e que os Estados Unidos podem ou não defender se Xi ordenar uma invasão.
A China está aumentando sua cooperação com outros inimigos dos EUA em um eixo informal antiocidental ao lado da Rússia, Coreia do Norte e Irã.
As forças aéreas e navais das duas principais potências do Pacífico frequentemente chegam perigosamente perto de confrontos nos mares do Sul e Leste da China.
E os legisladores de ambos os partidos acusam a China de roubar segredos econômicos e militares dos EUA e de não cumprir as leis internacionais e as regras comerciais.
Como Trump já ameaçou impor tarifas esmagadoras à China, sua tentativa de persuadir Xi a ir a Washington parece uma enorme contradição.
Isso levanta a seguinte questão enquanto governos estrangeiros se perguntam como lidar com o novo presidente dos EUA: quão seriamente os aliados e adversários dos EUA devem levar seu tom intimidador e suas mudanças políticas voláteis?
A verdadeira abordagem americana é caracterizada por seus funcionários e políticas de linha dura ou é mais precisamente representada pelos movimentos alucinantes do presidente eleito, que revelam um zelo por acordos e por sentar-se à mesa de negociações com os líderes mundiais?
Primeiro grande passo de Trump nas relações com a China
O último golpe de Trump pode parecer caótico – mas isso não significa que não possa funcionar.
Enquanto os críticos condenam sua imprevisibilidade, seus movimentos improvisados podem desequilibrar os rivais e abrir potenciais vantagens para os EUA.
Por exemplo, qualquer sucesso que ele tenha em remover Xi do Irã, Rússia e da Coreia do Norte seria uma enorme vitória de política externa, apesar das diferenças entre EUA e China.
Mas, ao mesmo tempo, é justo questionar se o fogo e a fúria de sua política externa no primeiro mandato produziu resultados duradouros.
As visões do republicano sobre a China são especialmente confusas – já que ele parece acreditar que as políticas mercantilistas de Pequim são uma ameaça direta aos americanos e que têm arrancado os EUA há décadas.
Mas ele ainda quer ser amigo de Xi. Na campanha, Trump enfatizou repetidamente que o líder chinês era durão e inteligente e eram amigos – aparentemente acreditando que sua cordialidade significa que o presidente da China pode ter uma opinião semelhante sobre ele.
O presidente eleito expressou essa contradição em uma única frase em uma entrevista com Jim Cramer na CNBC, na quinta-feira (12).
“Temos conversado e discutido com o presidente Xi, algumas coisas e outras, outros líderes mundiais, e acho que vamos fazer muito bem em tudo”, afirmou. Mas acrescentou, “temos sido abusados como país. Fomos muito abusados do ponto de vista econômico.”
O hábito de Trump de minar a política dura de sua administração foi repetidamente evidente em seu primeiro mandato, especialmente com homens fortes como o chinês, o presidente russo Vladimir Putin, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e o norte-coreano Kim Jong Un.
Às vezes parecia que ele tomava posições simplesmente porque todos lhe diziam para não o fazer.