O crescimento da direita no parlamento português, após as últimas eleições realizadas em maio, abriu as portas para o avanço das discussões e propostas legislativas que podem mudar drasticamente o cenário para mais de 500 mil brasileiros que vivem em território português e pretendem obter a nacionalidade. As alterações propostas pelo novo arranjo político sinalizam uma guinada para um endurecimento da política migratória e de cidadania.
Atualmente, pela Lei da Nacionalidade estrangeiros que residem legalmente em Portugal por cinco anos podem requerer a cidadania portuguesa. Esse direito pode ser ampliado graças a uma norma aprovada pelo Parlamento, que reconhece o tempo de espera pela autorização de residência na contagem dos cinco anos, embora essa regra ainda dependa de regulamentação.
A proposta é aumentar o tempo mínimo de residência de cinco para até 10 anos. Além disso, a coligação quer excluir o período de espera da autorização de residência da contagem, o que ampliaria ainda mais o prazo necessário.
Confira quais são as principais mudanças:
1) Nacionalidade até bisnetos – O governo quer restringir a atribuição de nacionalidade por ascendência aos bisnetos de portugueses. Atualmente, muitos brasileiros conseguem obter a cidadania ao comprovar descendência até avós ou mesmo além. Com a mudança, gerações posteriores aos bisnetos perderiam o direito, fechando o caminho que hoje permite a transmissão da cidadania a netos e trinetos.
Segundo Dra. Luiza Costa Russo, da Gioppo & Conti, isso afetará diretamente milhares de famílias brasileiras que planejam a nacionalidade como parte do projeto familiar ou patrimonial: “Muitos contavam com o processo passando de avós para pais e filhos, mas agora essa possibilidade pode ser cortada abruptamente.”
2) Aumento do tempo de residência – O governo português também propõe aumentar o tempo mínimo de residência legal necessário para obter a cidadania. Hoje, brasileiros podem solicitar a nacionalidade após cinco anos em Portugal. A proposta sugere estender para sete anos no caso de cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e dez anos para imigrantes de outros países, conforme explicam os advogados Wilson e Vinícius Bicalho. O detalhe mais preocupante é que o tempo passaria a ser contado apenas a partir da emissão do título de residência oficial, e não mais do momento de entrada legal no país, o que poderia atrasar significativamente o início da contagem do prazo.
3) Mudanças na nacionalidade por nascimento – Hoje, crianças nascidas em Portugal, filhas de pais com residência legal, adquirem automaticamente a nacionalidade portuguesa. A proposta em discussão exige que pelo menos um dos pais tenha dois anos de residência legal antes do nascimento para que o filho tenha direito à cidadania originária. “Isso pode prejudicar famílias que estão em situação regular há menos de dois anos, mas que têm filhos prestes a nascer”, alerta Vinícius Bicalho.
Consequências para famílias brasileiras
Além do impacto nas gerações futuras, especialistas alertam que as mudanças em tramitação devem ser votadas rapidamente, graças ao alinhamento político no Parlamento. Para Wilson Bicalho, o momento é decisivo: “A experiência mostra que, quando o Executivo propõe alterações com apoio parlamentar, o processo legislativo avança em ritmo acelerado. Quem tem direito deve agir já.”
Outro problema é que, mesmo antes dessas mudanças, brasileiros que já vivem em Portugal enfrentam dificuldades devido à morosidade dos serviços de imigração. Segundo Bicalho, a prorrogação sucessiva dos títulos de residência vencidos mantém pessoas em situação regular apenas em Portugal, mas em limbo perante outros países do chamado Espaço Schengen – área de livre circulação na Europa, onde os cidadãos podem viajar entre países membros sem controles de fronteira. Isso dificultaria viagens, negócios e até o acesso a serviços bancários.
Diante desse cenário, os advogados recomendam urgência para quem já reúne os requisitos para requerer a nacionalidade ou precisa regularizar sua situação migratória. “Decisões políticas avançam depressa e, em migração, quem espera pode perder o direito”, adverte Dra. Luiza Costa Russo.
As mudanças representam não apenas alterações técnicas, mas também uma mudança que se espalha por toda União Europeia, refletindo essa nova postura política do grupo em relação à imigração e à concessão de nacionalidade.