Um grande escândalo de corrupção pode fragilizar a Ucrânia justamente em uma semana decisiva na guerra contra a Rússia.
As duas agências anticorrupção ucranianas anunciaram no fim de semana que descobriram um esquema de compras superfaturadas de drones militares e sistemas de bloqueio de sinais de comunicação – dois tipos de equipamentos muito usados pelas Forças Armadas no conflito.
A falcatrua bilionária envolvia políticos, funcionários públicos e militares da Guarda Nacional, que chegavam a receber propinas de até 30% nas compras.
Um parlamentar, dois burocratas e vários membros da Guarda Nacional foram presos e já respondem a processos judiciais.
Mais nomes de envolvidos devem surgir, e novas prisões podem acontecer nos próximos dias.
Ultimato de Trump
Este não é o primeiro caso de corrupção envolvendo compras militares ucranianas durante a guerra, mas ele ganha contornos muito importantes por dois motivos.
Em primeiro lugar, o escândalo explodiu a poucos dias do prazo dado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para que a Rússia aceite negociar diplomaticamente o fim do conflito.
Trump ameaça impor novas sanções contra o Kremlin e seus parceiros comerciais caso o presidente Vladimir Putin não dê sinais claros de que pretende encerrar a guerra.
Além disso, a falcatrua foi revelada apenas uma semana após o líder ucraniano Volodymyr Zelensky ter tentado limitar a independência das duas agências responsáveis pelas investigações, conhecidas pelas siglas NABU e SAPO.
A intenção do presidente da Ucrânia era colocar as duas agências, que possuem autonomia total, sob supervisão do procurador-geral do país, Ruslan Kravchenko – nomeado recentemente para o cargo pelo próprio Zelensky. Segundo ele, isso fortaleceria institucionalmente as agências.
A ideia, no entanto, provocou grande indignação popular, e os ucranianos foram às ruas, nas maiores manifestações contra Zelensky desde o início da guerra. Sem apoio popular, o presidente ucraniano voltou atrás.
Não há nenhuma indicação de envolvimento direto de Zelensky ou de seus ministros no esquema.
Mas o caso enfraquece a posição do seu governo interna e externamente, num momento crucial.
Internamente, porque a população da Ucrânia certamente cobrará mais transparência do governo.
Afinal, os corruptos lucram ilegalmente com a compra de armas enquanto seus compatriotas morrem aos milhares na linha de frente da guerra – um fato que pode afetar, inclusive, a disposição das tropas nos combates.
A situação pode se complicar ainda mais, por exemplo, caso políticos do partido de Zelensky sejam flagrados nas operações anticorrupção que continuam em curso.
Cobrança externa
Externamente, a Ucrânia se fragiliza diante dos aliados ocidentais que estão financiando o esforço de guerra.
Muitos deles, especialmente o próprio Donald Trump, questionam os elevados custos das transferências financeiras e militares feitas a Kiev. E os governos aliados, naturalmente, esperam que cada centavo enviado ao país seja destinado à sua defesa.
Os Estados Unidos ainda não se manifestaram a respeito do caso, mas os europeus já deram um primeiro sinal de insatisfação: disseram a Zelensky que a Ucrânia estava colocando em risco sua candidatura à adesão à União Europeia caso incidentes do tipo continuem – ou o próprio presidente volte a insistir em limitar os poderes das agências do setor.
Tudo isso enfraquece os constantes pedidos de Zelensky por mais armas e mais ajuda internacional. Justamente no momento em que ele pede novas sanções contra o Kremlin.
Por tudo isso, o líder ucraniano se apressou a ir às redes sociais para elogiar o trabalho das agências anticorrupção. “Temos que ter tolerância zero com a corrupção. Temos que trabalhar em equipe para expor a corrupção e, como resultado, uma sentença justa”, escreveu ele – tentando limitar os prejuízos institucionais do caso.