Não é a primeira vez que a Venezuela parece enfrentar uma situação de poucas opções após as eleições. Segundo analistas consultados, estes cenários também são prejudiciais em termos de democracia.
Somente as duas últimas eleições presidenciais na Venezuela após a morte do presidente Hugo Chávez (as eleições de 2013 e as de 2018) terminaram em labirintos semelhantes ao atual: com uma vitória oficial, com um sistema eleitoral questionado, protestos populares que incluíram violência e efeitos migratórios que prejudicaram a coexistência regional.
No entanto, parece haver um consenso entre os especialistas sobre uma diferença crucial: agora a vitória da oposição parece mais evidente do que nunca (mesmo nos antigos redutos chavistas) e também a possibilidade de ter havido fraude, dada a falta de publicação das atas detalhadas.
Para Benigno Alarcón, diretor do Centro de Estudos Políticos e Governamentais da Universidade Católica Andrés Bello da Venezuela, as circunstâncias atuais são diferentes porque a vitória da oposição é indiscutível, dentro e fora do país.
“Nunca no passado isso foi tão claro. Em 2013 houve uma eleição disputada, mas sem confirmação do sucesso da oposição; em 2018, houve uma eleição fraudulenta sem dúvida, mas a oposição nem sequer participou. E depois disso, quando Juan Guaidó se autoproclamou presidente, o fato de não ter sido um candidato eleito o debilitou”, disse ele.
Além disso, nesta eleição, a oposição uniu-se mesmo após a desqualificação da sua principal líder, María Corina Machado, e o apoio a Edmundo González foi majoritário.
E essa unidade foi mantida mesmo depois do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) ter divulgado os resultados proclamando Nicolás Maduro como vencedor. No entanto, as perspectivas permanecem abertas e não há consenso sobre o que acontecerá a partir de agora.
Quais são os cenários possíveis?
Os analistas consultados para este artigo não estão otimistas quanto às opções que estão sobre a mesa, e experiências passadas mostram que a situação de impasse político como o atual favoreceu Maduro.
Entre os novos desenvolvimentos, muitos analistas observam o ressurgimento da sociedade civil como ator no mapa político.
“A sociedade civil, que no passado esteve um pouco adormecida, reapareceu em cena através de mobilizações populares”, disse Juan Negri, diretor do curso de Ciência Política e Estudos Internacionais da Universidade Torcuato Di Tella, em Buenos Aires.
Uma nova eleição improvável
Quase duas semanas depois das eleições, convocar novas eleições é a opção menos provável na Venezuela, segundo os especialistas consultados.
“Não creio que seja o cenário mais provável porque depende de vários fatores, mas consistiria em, diante das pressões internas e externas – e por internas também me refiro às brandas dentro do chavismo – Maduro aceitar a posse de novas eleições com algum argumento “uma solução elegante para problemas técnicos ou burocráticos”, considerou Negri.
O endurecimento do discurso de Maduro nos últimos dias, no entanto, faz com que isso pareça improvável, acrescentou o acadêmico.
Possível racha das Forças Armadas e o “fator Brasil”
Segundo Negri, na Venezuela poderia haver um cenário comparável ao que aconteceu na Europa Oriental entre o final dos anos 80 e o início dos anos 90.
“Mobilizações massivas poderiam causar um terremoto que causa fissuras nas Forças Armadas, até que em algum momento os generais digam a Maduro que já não podem garantir a sua segurança, por isso ele decide deixar o país”, explicou.
Nesse cenário, acrescentou, o “fator Brasil” seria crucial.
“O Brasil poderia atuar como um negociador que garante a segurança de seus bens e de sua família. A comunidade internacional ficaria encarregada de construir uma ponte dourada para Maduro e garantir seu exílio. No melhor dos casos, uma transição para um regime democrático”, indicou.
Para Negri, a pressão internacional pode operar na Venezuela, “mas não no vácuo, porque a posição do governo depois de 2019 é ainda mais firme e à medida que o tempo passa continua a se fortalecer”.
Jennifer Cyr, professora pesquisadora de Ciência Política e diretora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Torcuato Di Tella, acredita que a solução negociada e mediada pelo Brasil é a única solução pacífica para a crise.
“Deve ser uma negociação entre o regime e a oposição que inclua as Forças Armadas”, indicou.
Cyr acrescentou ainda que para que este cenário funcione, o governo de Maduro deve obter concessões: “Aprendemos com transições como a do Chile entre 1988 e 1989 que devem ser dadas garantias como forma de resolver o impasse e recuperar a democracia.”
Há dois fatores, contudo, que parecem indicar que esta não é a direção atual da situação.
A primeira delas é que o governo Maduro não dá sinais de reavaliar a situação.
“Não há provas de que a porta para a negociação esteja aberta. Pelo contrário, o governo está jogando muito duro e tomou o caminho repressivo”, disse Negri.
O segundo fator tem a ver com as Forças Armadas, que não têm dado sinais de racha e que em diversas ocasiões, desde o início da atual crise, ratificaram o seu apoio a Maduro.
González Urrutia, “presidente responsável”?
À semelhança do que aconteceu em 2019, quando Guaidó se autoproclamou presidente da Venezuela e foi reconhecido por mais de 50 países, alguns questionam se esta poderia ser uma forma de pressionar o governo através de González Urrutia.
“Acho que o que aconteceu então foi que a oposição cometeu muitos erros, entre eles que durou mais do que o necessário. Mas esse cenário mudou: agora estamos diante de uma oposição muito mais unificada sob o comando de María Corina Machado, que administrou aquele lugar através de primárias internas. Em 2019, a oposição ainda estava muito dividida entre a estratégia de rua ou a via institucionalista, e não creio que Maduro visse Guaidó como uma ameaça como a representada por María Corina Machado”, disse Cyr.
Embora concorde que o contexto mudou, Negri disse que Maduro tem tudo para vencer.
“Ao repetir a sua atitude em 2019, o governo já tem uma vantagem. Quero dizer: deixar o tempo passar, não ceder e aguentar. Alguns países poderiam jogar a cartada dura, por exemplo os EUA poderiam aplicar mais algumas sanções, mas eu não acho que seja uma estratégia que vai dar certo”, considerou.
O contexto internacional dá uma vantagem a Maduro
Maduro chegou às eleições de 28 de julho com algumas questões importantes a seu favor.
Entre eles, alguns acordos econômicos com os Estados Unidos para abrir a rota eleitoral – embora não isentos de turbulências -, além da sua firme aliança com países como a Rússia, a China e o Irã.
Mas há mais um fator em que Cyr se concentra.
“Não podemos esquecer que o contexto internacional é um contexto de retrocesso democrático. Os discursos democráticos não são propriamente aqueles que estão em ascensão, e há menos confiança dos cidadãos naquilo que os regimes democráticos podem oferecer”, afirmou.
Para ela, isto representa uma vantagem para um regime que não pode – e pode já não se importar – em defender-se como uma democracia.
“Num contexto em que a democracia não é um valor tão forte, Maduro pode apostar em continuar a melhorar a economia – o que não é tão difícil porque há 10 anos foi destruída -, em alcançar uma certa ideia de segurança – mesmo através de repressão – e permanecer no poder”, acrescentou.
Por esta razão, e apesar da proeminência emergente da sociedade civil, tanto o contexto histórico como o contexto parecem favorecer, pelo menos circunstancialmente, o governo Maduro.
Fonte: CNN.