Nas democracias modernas a política e a garantia da liberdade dos meios de comunicação são, inegavelmente, pilares do regime democrático, mas a relação entre ambos nem sempre é harmoniosa. Indaga-se: O que é que a Lei Eleitoral tem a ver com a liberdade de expressão? Em um jogo eleitoral cada vez mais permeado por candidatos-apresentadores e âncoras-candidatos, o abuso dos meios de comunicação para o beneficiamento de candidaturas políticas é combatido pela Justiça Eleitoral.
Tive a oportunidade de atuar na Justiça Eleitoral como Juiz da Propaganda, recebendo diariamente inúmeras representações contra candidatos. Trata-se de quebra da “paridade de armas”, do fair play, ou seja, jogo justo, que deve garantir a todos os candidatos igualdade de oportunidades na quadra eleitoral. Vejamos. No AgR-RO-EI n. 0001288-90/2014, TRE/SE, Relator o Min. do STF e do TSE Alexandre de Moraes, publicado no dia 30/03/2021, o TSE voltou a se debruçar sobre o assunto.
A ementa foi a seguinte: “O comando de atração de rádio com distribuição de brindes, durante o período de julho a dezembro de 2013, bem como a participação, em duas oportunidades, em programa no qual realizadas críticas e enaltecimento a feitos políticos do Agravado não são circunstâncias, por si sós, suficientes à comprovação do ilícito eleitoral, pois o que se exige, para tanto, é a exposição desproporcional de um candidato, em detrimento dos demais. Agravo Regimental desprovido”. No caso, o candidato eleito ao cargo de Deputado Estadual participou de um programa de rádio. O Ministério Público Eleitoral entendeu que houve uso abusivo dos meios de comunicação pelas seguintes razões: (i) exibição ostensiva da imagem do candidato e pela divulgação da sua plataforma política e; (ii) o caráter assistencialista do programa de rádio com promessa e distribuição de benesses para a população. Esses elementos, na visão do MPE, seriam suficientes para a caracterização o ilícito eleitoral.
O TRE/SE julgou procedente a Representação. No âmbito do TSE a matéria foi analisada primeiro pelo Min. do STF e então Presidente do TSE, Luiz Fux, que reformou a decisão para afastar a condenação. Essa decisão foi mantida pelo TSE, à unanimidade. Alguns dos fundamentos usados pelo Min. Fux merecem ser reproduzidos. Para ele “em um ambiente verdadeiramente democrático, as liberdades de expressão, de imprensa e de informação ostentam, ao menos a meu sentir, posições preferenciais.
A rigor, a liberdade de expressão e seus corolários liberdade de imprensa e de informação consubstanciam pressupostos ao adequado funcionamento das instituições democráticas, reclamando, para a sua concretização, a existência da livre circulação de ideias no espaço público. Nessa linha, destaco que os meios de comunicação exercem um papel fundamental nas sociedades modernas, na medida em que promovem a difusão da informação e do conhecimento”. Como ex-Magistrado da Justiça Eleitoral me impressionaram dois aspectos no caso concreto.
O primeiro foi que as entrevistas foram levadas a efeito entre julho e dezembro de 2013, ou seja, quase 01 ano antes do Pleito. E o segundo foi o argumento do Min. Fux, citando a jurisprudência de que “cumpre às cortes eleitorais o papel de assegurar a máxima amplitude do debate, somente intervindo em hipóteses estritas e excepcionais, quando as atividades de comunicação representem, sem margem para dúvidas, riscos concretos para a autodeterminação na formação da opinião eleitoral ou, em última instância, para a própria integridade da disputa”. Ou seja, na dúvida entre a prática de ilícito eleitoral e a liberdade de expressão, deve a Justiça Eleitoral priorizar uma interpretação que valorize a garantia desse último, como direito inerente ao regime democrático. O uso indevido dos meios de comunicação deve e precisa ser combatido, mas não ao custo do direito que o cidadão tem de se manter informado e, segundo suas próprias convicções, formar opinião.
Marcio Meirelles Professor, administrador, advogado e ex-Membro do TRE/AM.