Duas reportagens publicadas no último domingo (22), na Folha de S.Paulo, trataram da Zona Franca de Manaus (ZFM) com uma lente que, embora legítima, revela certa distância dos contextos e complexidades da Amazônia produtiva. Uma abordou a evasão de talentos. A outra, os preços ao consumidor manauara. Ambas provocam reflexões necessárias, mas também exigem, por parte do setor produtivo, uma resposta propositiva, serena e fundamentada em fatos.
A Zona Franca forma talentos – e o Brasil precisa retê-los
A chamada “fuga de cérebros” não é exclusividade de Manaus. É um fenômeno nacional. Vivemos em um país em que 59% dos brasileiros preferem empreender por conta própria a buscar um emprego com carteira assinada (Datafolha). A desvalorização do trabalho técnico e especializado é estrutural. A trajetória de Diego Souza, citada na matéria, deveria ser celebrada: formado no chão de fábrica da ZFM, hoje atua nos EUA. Isso é mérito da política pública que deu a ele oportunidades reais de formação e ascensão. A ZFM não perde talentos – ela os revela ao mundo.
Indústria com propósito: dignidade, cuidado e inclusão
As empresas do Polo Industrial de Manaus oferecem transporte fretado porta a porta, creches, planos de saúde, alimentação e segurança a seus colaboradores. Investem, com constância, em ergonomia, climatização e capacitação. São mais de mil rotas de ônibus diárias, pontuais e confortáveis. Isso não é um privilégio: é o reconhecimento de que o trabalho humano exige condições dignas para florescer. O debate sobre salários precisa incluir o custo de vida, os incentivos locais e os investimentos sociais das empresas. Fora disso, caímos na tentação da desonestidade intelectual.
O desafio dos preços: um problema sistêmico, não regional
É injusto culpar a Zona Franca pelos preços ao consumidor em Manaus. O nó está na estrutura tributária brasileira, que impõe travessias burocráticas absurdas e penaliza a produção nacional. Há casos em que produtos fabricados na capital amazonense são enviados para fora da região e retornam com custos extras – fruto de um sistema disfuncional que precisa de reforma. Soma-se a isso a fragilidade logística e a baixa concorrência no varejo regional. Ainda assim, os produtos da ZFM têm, em média, 30% de vantagem sobre os similares importados. Falta ao país conectar melhor os elos dessa cadeia.
A Zona Franca entrega – e quer contribuir mais
A ZFM:
– Gera mais de 130 mil empregos diretos e cerca de 500 mil indiretos;
– Responde por 30% do PIB da Região Norte;
– Contribui com bilhões em tributos federais, que financiam políticas nacionais;
– Mantém a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), maior universidade multicampi do país;
– Opera em regime de sustentabilidade, preservando mais de 95% da floresta no Amazonas.
Trata-se de uma política pública bem-sucedida. E mais que isso: um compromisso com a equidade regional, com a economia legal e com o futuro da floresta em pé. É tempo de superar os preconceitos e enxergar a Amazônia produtiva como parceira do Brasil que queremos construir.
Hora de virar a página da polarização estéril
A Zona Franca não precisa de rótulos. Precisa de escuta, diálogo e parceria. O setor produtivo da Amazônia está aberto a críticas construtivas e debates bem informados – mas espera o mesmo espírito de abertura daqueles que, de longe, se propõem a nos interpretar. Não há nós contra eles. Há brasileiros, de diferentes realidades, tentando construir soluções. A ZFM é um projeto nacional que resiste, há décadas, ao abandono da infraestrutura, à instabilidade tributária e às visões simplistas sobre o desenvolvimento regional. Quem quiser conhecer de perto nossa realidade, será bem-vindo. Venha ver com os próprios olhos. Venha ouvir as vozes que constroem – com dignidade, ciência e esperança – uma economia que respeita o Brasil profundo e suas florestas vivas.
Nelson é economista, empresário, presidente do Sindicato da Indústria Metalúrgica, Metalomecânica e de Materiais Elétricos de Manaus (SIMMMEM), consistrado e da CNI e vice-presidente da FIEAM.